segunda-feira, 24 de outubro de 2016

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As caminhadas do que


    
19 de outubro 2016
   
Hoje, caminhando pela praia,
encontrei pedras,
elas eram claras,
de verde mar para o branco.
Eu não sei o número delas,
mas eu as carreguei comigo.
Com estas pedras, você não entenderia,
que eu ainda não sei o número delas,
tenho muito o de aprender.
Pedras roladas,
posso ouvi-las noites inteiras.
   
   
17 de outubro 2016
   
Estas cartas narram, com a maior isenção possível, da geometria do símbolo. De antemão é lembrado ao leitor que tudo aquilo que é descrito passa, ao menos, por dois filtros naturais da subjetividade, tais quais àquele de quem escreve o episódio tanto o outro de quem se aventura a sua descoberta. Posto isso, imagina-se três segmentos de retas verticais. Um segmento de reta horizontal é sobreposto à imagem anterior, na parte de baixo. Sobrepondo a esta imagem formada, estão duas curvas ascendentes, com taxas de crescimento distintas. Estas últimas duas curvas lembram os quadrantes inferiores direitos de duas elipses. E elas partem próximo de uma origem imaginária, definida pelo primeiro dos segmentos de retas verticais – aquele à esquerda – e o segmento de reta horizontal inferior. Eu poderia desenhar o símbolo. Ainda assim, para o seu próprio bem, seria melhor que você o apreendesse.
   
   
12 de outubro 2016
   
Chamam-me de J. ou X., mas J. e X. não são nomes. Assertivas aparentemente ficcionais como esta levam a reflexão acerca da questão que diz respeito à realidade ou à irrealidade. Assim como a longa carta, redigida de próprio punho e destinada a M., cujo conteúdo desconhecemos. Se M. não a encontrou, ou não a leu, esvazia-lhe em absoluto a sua razão de existir. E, talvez, ela tenha caído em mãos erradas, o que seria ainda pior. Neste caso, tanto eu, J., quanto ela, M., corremos risco de morte. Há verdades que jamais deveriam ser ditas (ou escritas). Mas não posso me furtar de narrar a falta que um simples cigarro me faz enquanto rabisco estas poucas linhas. (Que M. guarde sempre em sua memória o que restar de doce, e não um improvável cinzeiro, repleto de cinzas).
   
   
14 de outubro 2016
   
Mesmo tendo ficado sem contato com T., parece que nunca deixamos de nos falar, pensou P. P. guardou-a num canto específico de suas lembranças, para vir buscá-la depois, inteira, pele contra pele. T. era pequena, dessas mulheres compactas, com bunda e seios apetitosos, facilmente eriçáveis pelos carinhos na nuca, beijos no pescoço e uma mordidela no lobo da orelha. A pele macia de T., o tato da mão de P. pegando firme na bunda de T., trazendo-a para junto de si, imprensando o seu pinto bem apertado dentro da boceta dela. Grave, guarde na memória, até um possível gemido de T., o seu gozo e um secreto beijo de entrega total. Guarde, mas venha retirar depois. Sanduichar T. contra o colchão, na posição de frango assado. Preenchê-la, separar suas carnes urge. Beijá-la a boca, úmida de vida.
   
   
19 de outubro 2016
   
O caminho destas caminhadas é a paz.
O sol, a iluminação interior.
E agradecer ao universo.
Passo a passo, a cada passo do que.
   
   
22 de outubro 2016
   
   
As escrituras neste momento, ao pôr do sol, processam-se em múltiplas camadas: há aquilo que realmente precisaria ser dito; mas há também uma trama ficcional que corre à revelia. Agora o vento sopra, rente à areia, moldando e polindo a realidade. É essa a artimanha de fluir através do tempo. O dia vai sendo desconstruído em noite. Assim, desliga-se o sol da tomada. As estrelas vão se acendendo len-ta-men-te, uma aqui, outra acolá, para que não seja possível calcular o seu número. E quando a gente se dá conta, a noite devorou o dia. E o seu número, aquele das estrelas no céu, permanece envolto em mistério. Este é o momento sagrado em que o sol fecunda a noite.
   
   
19 de outubro 2016
   
O deserto trás consigo dos seus descaminhos. O bólido vermelho de fogo através das dunas, de motor a combustão de gasolina Volkswagen 1.6l. O motorista Expedito, aquele mesmo das “causas impossíveis”, natural de Jericoacoara. Foi próximo à pedra furada, retornando pela trilha, quando J. propôs: vamos contornando a falésia, caminhando pela praia! A. não acreditava, era praticamente inconcebível para A. que Expedito e o seu bólido vermelho conseguissem mudar de frequência, de nível, vindo do alto da falésia, resgatá-los em baixo, na praia. J. disse (e insistiu): Vamos por aqui, A., não tem por que tomar a subida de volta, Expedito nos pegará aqui embaixo, se formos contornando pela praia. Mas A. subiu. Seguiu o seu caminho.
   
   
18 de outubro 2016
   
É recente a minha fascinação pela ideia de confinamento. E este é tão somente um problema de escala, como o ajuste de uma frequência no rádio, que nos limita de todas as outras possíveis programações musicais, ao mesmo tempo em que imprime próprio ritmo. Milênios se passaram desde a constatação de Hermes Trismegistus, segundo a qual assim como aquilo que está acima é aquilo que está abaixo. A ideia das pedras celestes, que impõem o seu limite em direção àquilo que denominamos de macrocosmo, tendo como contrapartida as partículas subatômicas, de decaimento rápido, forjando um novo limite na direção do chamado microcosmo. Observa-se, porém, no crepúsculo do segundo milênio D.C., o chamado século XX, quando o esgotamento da reserva transcendente estava prestes a sucumbir ao racionalismo em seu estado bruto, estas duas ideias: (1) O princípio da incerteza de Heisenberg, segundo o qual, podemos determinar a posição de uma partícula em prejuízo a noção de sua velocidade. (2) A teoria da relatividade de Einstein, aplicável em grande escala, limitando a capacidade de observação dos eventos à velocidade da luz, ao mesmo tempo em que propõe noções interessantíssimas, como a curvatura do espaço-tempo. São, pois, estas duas ideias, aparentemente sufocantes, respectivamente, no âmbito dos eventos no microcosmo e no macrocosmo (à medida que nos impõem limites), as mesmas a impulsionarem a exploração das esferas transcendentes. Porque, ora, se o princípio de Heisenberg é limitante sob o aspecto observacional das partículas subatômicas, ele permite o vislumbre de uma nova percepção sobre partículas de grande energia e decaimento rápido, capazes de transmudar a matéria de um estado a outro, pela troca simultânea de energia. Noutro extremo, está a teoria da relatividade de Einstein, que ao impor um limite observacional dos eventos à velocidade da luz, fez muito mais ao descortinar um novo cenário do céu, onde as trocas em grande escala se dão pela extinção de estrelas em buracos negros, arrastando quantidades absurdas de energia e matéria através de um remoinho, simetricamente projetado para o fluxo dessa matéria e dessa energia em uma posição remota, pela gestação de uma supernova. Isso tudo, pelo simples problema de escala da percepção humana, pode nos parecer muito distante (extrínseco), quando, em verdade, é de natureza intrínseca aos processos do quotidiano, à vida. E, se pensa que estou mentindo, a forjar uma estória apenas, vale lembrar-se do ciclo de alimentação e eliminação dos dejetos, aos quais cada criatura está sujeita. Também e, sobretudo, ao ritmo da inspiração e da expiração do organismo humano. Ritmo, pulso, dança, movimento atrelam-nos à essência dos seres animados. Esta frequência, sintonia fina, é o que leva ao céu ou ao inferno de si para com o outro, do universo para consigo. Reside aí o cerne para a ligação (conexão) da criatura na natureza.
   
   
20 de outubro 2016
   
A décima sexta e a décima sétima pedras foram encontradas muito distantes ao longo da praia. J. ficou contente por ter ido ao encontro delas. Quando a onda do mar recuava, em vazante sobre a décima sexta pedra, a água espirrava para o alto em spray, refletindo a luz do sol. A pedra era rolada, branca, rosa e trazia alguns riscos e trincas marrons, isso incrementava ainda mais o efeito. É óbvio que aquelas inscrições na pedra traziam, nada mais, nada menos, que a localização da décima sétima pedra, em “tão tão distante”. J. foi buscá-la, um processo que era quase o inverso. Enquanto isso, A. era muito braço, muita perna, muito cigarro, muita cerveja e soluço. A. não compreendia que era fase de libertar-se, não de reter para si.
   
   
21 de outubro 2016
   
A areia, correndo com o vento, sobre a superfície das dunas, parece criar um tecido movediço de ar imiscuído com o pó de pedra, o então denominado estado híbrido sólido-gasoso. A forma desaparece lentamente através desse limiar do que foi pedra para dar o seu lugar aquilo que é oxigênio, nitrogênio, gás carbônico. O estado inalterado não passa de utopia da mente nas caminhadas do que.
   
   
16 de outubro 2016
   
Você é formada pelo Sol
cada poro seu uma Estrela
o seu corpo é Éter que hei de Sorver
(para a nossa Transcendência)
em fusão da minha Carne com a tua
não há Arrebatamento maior
quando duas Criaturas se dispõem
a Foder.
   
   
18 de outubro 2016
   
Viajando com A. pelos sertões, me apercebi que A. era A. e, ao mesmo tempo, já não era A. Eu, cá do meu lado, continuava sendo eu mesmo, J., o bom e velho J., se é que assim poderia ser dito. O sol fazia-me muito bem, o cérebro pensava bem, intuía, iluminado pelo sol. A. distanciava-se de A. e de J. à medida que submergia em seu mundo interior. Era como se A. consumisse a sua própria energia, um buraco negro mental que arrastava consigo toda a negatividade do mundo. As “coincidências” ruins aconteciam. Eu tentava ajudar A., mas A. estava mudando de espírito. Era como o processo de um buraco negro drenando-se para gerar uma supernova. Eu tentava apenas flutuar ao entorno, sem me deixar drenar. A., eu vou à Marte quando eu voltar.
   
   
12 de outubro 2016
   
Levo uma cartinha escrita a mão, com estes malditos alfarrábios, e dois vasos de plantas minúsculas, super delicadas, com as quais presentearei M. na festa antecipada do seu aniversário. Ela nasceu no dia 16, o mesmo dia de minha avó D. Não esquecer isso. Nem de cada pessoa por detrás de cada signo.
   
17 de outubro 2016
   
“Uma mão direita
deu a mão a esquerda
um olho esquerdo
olhou pro olho direito
uma perna direita
trançou outra perna esquerda
do útero nasceram flores
ela fez as pazes
com a parte dela
que era ela
a mãe, a irmã
o feminino sagrado.”
    
A. partiu sem deixar vestígios. Nunca saberemos ao certo se foi A. quem deixou J. ou se foi J. quem deixou A. Mais um desses mistérios em que cada um dos sujeitos carrega consigo parte da razão, mas a nenhum deles é facultada a visão ulterior da verdade. São como as linhas a serem preenchidas por signos, os cacos de azulejos que virão a compor um novo mosaico. O que parte de mim é o desejo de paz interior e prosperidade para A. e para J. – onde é que eles estejam!
   
   
12 de outubro 2016
   
Existiu um peixe elétrico. Um peixe elétrico individual dentre a espécie de todos os peixes elétricos como ele. Este peixe elétrico já morreu. Mas antes, ele habitou o mar. Vivenciou a sua existência naquele ambiente líquido e marinho. Conheceu algas amigas e a luz do sol. Assombrou-se com correntes de água salobra supergeladas. A sua vida pode afetar em nada as leis da natureza e a imensidão do universo. Mas ninguém pode tirar dele, deste singelo e finado peixe elétrico, o fato inquestionável dele haver existido... um dia.
   
   
16 de outubro 2016
   
N. sentia-se preenchida na piscina do hotel. A simples imaginação a deixava excitada, seus seios se eriçavam, a pele das costas, a parte anterior dos braços era puro arrepio, mas o melhor e o mais intenso vinha das contrações de sua xoxota. Trinta e um graus, o vento refrescante da beira mar, uma caipirinha de vodca com morango. A pele ardendo ao sol e depois um mergulho súbito, de corpo inteiro, na piscina. Muita liberdade e hormônios demais para aquele corpo em tenra idade. Era pura a ebulição.
   
   
20 de outubro 2016
   
A forma da folha de um coqueiro em planta, vista através de sua sombra na areia, com o sol a pino, lembra a coluna vertebral, com as suas respectivas ramificações nervosas periféricas, é uma analogia para a medicina (e deve ser também o caminho de mínima energia). No deserto, pouco é muito.
   
   
18 de outubro 2016
   
O deserto é de múltiplas camadas verdes, o sol queima a pele, o maior dos órgãos do ser humano. Isso seria comum de se ler escrito por aí, mas naturalmente incomum por estar sendo lido agora. Reflita sobre isso. O tempo estancado, extraído do contexto, trata disso apenas: a ideia da subjetividade, desdobramento; num análogo ao sol, queimadura; num análogo ao deserto, areia; num análogo às distâncias, anos-luz.
   
   
21 de outubro 2016
   
Pego B. com as mãos firmes em seus quadris. Trago de encontro, com violência, em direção ao meu pinto. Este, por sua vez, eu cravo ele todo e profundo dentro da xota molhada de B. Meu nome é J., mas J. não é nome. Meu nome é X., mas X. não é nome. Meu nome preenche a xota de B., que se contrai de um gozo demorado. Aumento a frequência das ondas de choque. Resta o farfalhar de corpos se batendo na penumbra, entremeado aos gemidos de B. Ah... ainda posso ouvi-los. Estado de ser delirante. Estado de que. A cabeça e a cabeleira de B. afundadas no travesseiro, comigo a imprensá-la com o meu quadril e o meu pinto. Todo ele a insuflá-la de tesão. Égua sendo fodida por trás, a posição predileta de B. Ontem você estava aqui, hoje já não está, B. Parece que foi ontem que botei reparo no seu corpo de felina, refestelada, ao vento e ao sol. Nem Bob Marley entenderia ou saberia descrever nos versos de seus reggaes. Nada posso fazer senão creditar ao universo, creditar ao criador o milagre da vida. Acreditar que mesmo o que termina começa de novo nas caminhadas do que.
   
    
    

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