quinta-feira, 20 de outubro de 2016

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ENTREVISTA COM O CANTAUTOR RENATO INÁCIO


Renato Inácio é um cantor paulistano que interpreta suas próprias composições, no ano de 2013 lançou seu primeiro álbum intitulado Porão, o qual trazia uma mescla de mpb com rock indie, no último agosto ele lançou seu segundo trabalho Limbo baseado na sonoridade da guitarra tocada por ele, acompanhado pelo baixista Ricardo Blane e pelo baterista Gledson Gomes, o álbum foi mixado em Seattle.


Renato, o movimento de um passante pela cidade está presente em algumas das suas composições Linha 4, Marginal, Asteroide, por exemplo. Qual é a ligação do espaço (São Paulo) com o seu modo de criar?

São Paulo é o meu amor e ódio, conforto e solidão. Nas minhas composições procuro dividir o meu cotidiano, paisagens e sensações com quem me ouve.

Você tem uma relação muito próxima ao universo dos livros, cursou Letras é um leitor atento. O que você esteve lendo ao longo do processo de criação das canções de Limbo?

Nesse período de criação das letras do álbum Limbo, li poetas como Keats, Byron, Rimbaud, Shelley, Verlaine, Wordsworth, Blake, Álvarez de Azevedo, Allan Poe. Não sou um erudito e nunca pretendi ser. Tentei criar o conceito do disco com alguns ideais românticos, como hedonismo, o ego, o desejo de fuga, pessimismo, crítica social e o tema da morte.

Todas as canções presentes em seus dois trabalhos, foram compostas exclusivamente por você, o fazer literário é solitário, já o musical pode ser dividido. Há possibilidade de parcerias em futuras composições ou a solidão é um caminho sem volta?

Acredito no caminho sem volta. Confesso o meu egoísmo ao escrever canções, me sinto melhor sozinho para escrever. Tentei vez ou outra fazer música com alguém, não funcionou. Me senti desconfortável. Deixo essa questão em aberto, porém acho pouco provável que aconteça de compor com alguém.

Em Limbo por conta das guitarras, está presente uma maior violência (estética) nas letras como podemos ouvir em Ódio sincero e no primeiro verso quando damos o play no cd: Para armar outra guerra...  O que ficou soterrado no lirismo do primeiro trabalho impulsionou o grito deste novo álbum?

No primeiro trabalho eu fiz um apanhado de tudo o que ouvi na vida, foi como testar as possibilidades e caminhos que poderia seguir. Com a experiência ao vivo, senti o que queria para o segundo álbum e sabia que queria um disco mais para o Rock e menos para a MPB tradicional. As músicas foram feitas pensando nesse formato, tocar guitarra com  power chord, o mais simples possível, cantar da forma mais livre possível; me libertar, fazer com que quem me ouvisse sentisse algo.
O meu primeiro disco, Porão (2013) parecia mais contido, como se eu quisesse dizer algo e ainda não soubesse como. Ainda que ambos tenham sido gravados com poucos recursos, neste novo álbum me sinto mais próximo do que eu gostaria de ser ou o que eu gostaria de mostrar com a minha música. Acredito que estou me comunicando cada vez melhor.  

Na participação no Record News talentos, você disse que Distância foi a sua primeira composição, antes dela vir ao mundo, o que havia dentro de você? Lhe dar com a vida ficou mais tolerável ou a criação piora o sentir e estar no mundo?

Passei bastante tempo tentando compor e não conseguia, depois de alguns anos eu acordei e escrevi algumas, mas considerei Distância a primeira música de verdade, a primeira que eu assumi como minha. Por impulso abandonei o curso de Letras naquele mesmo dia, de qualquer maneira eu não iria até o fim, não naquele momento.
Ao menos no meu caso, compor não é um ato maravilhoso em que você abre uma garrafa de vinho, pega um papel e começa a escrever coisas incríveis. Compor é um tormento. Embora eu tenha dificuldade para compor, criar músicas e cantá-las é uma forma de exorcizar os demônios. Torna o mundo mais suportável.

No primeiro disco do Barão Vermelho, Cazuza o abre com um grito, assim como você o faz em Limbo. É só uma mera coincidência ou não?

Você foi longe com essa pergunta e ainda assim deu um tiro certeiro. É coincidência, porque não pensei nisso enquanto estava compondo ou gravando Estamos Feridos. Me dei conta porque você me lembrou. E não é coincidência, porque ouvi muito esse disco do Barão Vermelho e com certeza fui influenciado pela música deles.

A capa do seu recente trabalho é uma tela da artista plástica austríaca Soshana (Alone I). Qual é a sua relação com as artes visuais? Como traduzir o que percebemos com os olhos para o que podemos sentir por meio dos ouvidos?

Eu sou leigo em todos os campos da arte. Sei superficialmente algumas coisas e leio por hobby sobre alguns artistas que me interessam. Assim como cinema e poesia. Acredito que essa afinidade faz toda a diferença na minha forma de enxergar a vida e na forma como componho.
Caminhar pela cidade ouvindo música, torna qualquer situação banal em uma pintura ou cena de cinema, com a vantagem de podermos escolher a trilha enquanto aquilo acontece; ou compor a trilha para os que arriscam traduzir o momento em música.
Foi assim com Asteróide, por exemplo. Pensar sobre o que as pessoas estão sentindo enquanto estão no transporte público. Imaginei que alguém ouviria a minha música com fone de ouvido enquanto caminha pela cidade ou anda de metrô. Pensei que Asteróide um dia pudesse ser a trilha sonora de alguém.

As palavras que saem de ti, só andam acompanhadas pela música ou há na sua produção textos apenas para serem lidos?

Letra e música estão sempre juntas, pelo bem da Literatura, admiração e respeito aos escritores, escrevo apenas canções cotidianas.
É certo que alguns escritores se descobrem como escritores depois de certa idade, porém não acredito que aconteça todos os dias, e obviamente, não acredito que seja o meu caso. Parafraseando o meu compositor brasileiro preferido, Sérgio Sampaio, eu sou só um compositor popular. É o que eu gostaria de ser, é o que estou tentando acreditar que sou, um compositor popular.

No primeiro álbum há a presença do violão e ukelele, já em Limbo você toca apenas guitarra. Este fato tem relação com o desejo de alcance das suas canções?

Tem relação com a ideia de fazer um disco mais homogêneo e assumir a identidade de tocar rock nacional com a formação power-trio (baixo, bateria e guitarra).
Também está relacionado à parte prática de não dispor de recursos para passar muito tempo gravando em estúdio ou gravar muitos instrumentos.
Não ter produtor musical e ter de bancar o próprio disco faz muita diferença nas decisões dos artistas independentes.

Em meio há tantas opções nas redes para ouvir música na web. O que o ouvinte encontrará de especial no trabalho de Renato Inácio?


Ódio sincero, desafino, muita honestidade.

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