segunda-feira, 3 de outubro de 2016

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Pequenas histórias 245

Sorriu ao sentir


Sorriu ao sentir, sem ter que fazer força, o excremento sendo expelido involuntariamente. Ah! Que alivio! Expurgou do corpo a matéria podre. Puxou um bom pedaço de papel e, se limpou varias vezes. Depois jogou o sujo papel no vaso e deu descarga.
- Lá se vai minha parte pútrida se encontrar com outras pútridas partes. Os anônimos da vida. – pensou sarcasticamente.
Sorriu novamente. Será que um dia, como escritor reconhecido, ganhador de três jabutis, mais outros prêmios internacionais, (convencido!) teria coragem de escrever o putrescível da matéria? Claro que teria. Pois se ele é a matéria putrescível de todas as matérias! E não era? Claro que era. Pois com sensibilidade, coisa que lhe foi imposta e não adquirida, via-se forçado a escrever tudo o que a sua mente criava.
- Que merda!
Reconheceu-se: Sou prisioneiro da mente criativa ou da putrescível mente? Mas o que de importância há nisso? Dar a conhecer esses pormenores desagradáveis ao leitor? Estaria ele interessado? Quem vai saber! Talvez algum leitor, na sua coragem arrogante, afirmasse:
- Na putrescível matéria orgânica esteja estigmatizado todo o ser em sua forma primeira.
Resposta do escritor ao saber da opinião do leitor:
- Puta merda! Estarrecido estou com essa descoberta. Quer dizer que só escrevo merda, nada mais que isso! Nossa! O que faço se não sou escritor?
Num ímpeto de raiva, rasgou o papel, quer dizer, pressionou a tecla e deletou mais de cinquenta páginas. Depois colocou o cursor em cima da pasta, cujo título era: Meus textos. Ficou por segundos observando mais de quinhentos arquivos, todos os textos que vinha escrevendo. Vale à pena guardar toda essa porcaria? Estava tentado a apagar tudo o que escrevera. Não tinha mais importância. Era um amontoado de letras e palavras inaudíveis.
Nisso, ainda segurando o cursor em cima do arquivo, tendo a palavra Excluir em evidência, foi surpreendido pela gata que pulou por cima da sua mão, com a pata dianteira, pressionou seu dedo indicador e, com isso, deletou todo o arquivo. E o pior, o sistema travou, precisou reiniciar o computador. Assim feito, num arrependimento atrasado, verificou que a pasta contendo todos os textos, cujo título era: Meus textos tinham sido lançados pelo espaço. Escorraçou a gata que, amedrontada, se refugiou em baixa da estante.
E agora? É José, e agora? É enrolar o saco de estopa e cair no mundo afora. Foi o que fez. Fechou todos os programas. Desligou o computador. Fechou a casa. E caiu no mundo, dizendo:
- Prefiro à vida real a virtual.


Pastorelli

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