O presente.
Sugestão
do amigo poeta Savasini
Precisava comprar um presente. Se é que precisava. Na verdade, estava em dúvida, não sabia definir com exatidão se ela merecia ou não. Cansado de suas impertinências, às vezes em demasia, caia sempre no lugar comum. No seu modo de pensar, o presente deve ser algo diferente, algo que a pessoa não estivesse esperando ganhar. Que sempre se lembrasse de você. É! E o que ela esperava ganhar? E o que comprar? Roupas? Nem pensar! Da última vez dera um vestido pensando que agradava, procurou um bem especial, uma saia estilo cigana, rodada, cheia de bordados, tecido especial, foi um desastre. No momento em que ela abriu o pacote, viu a seda estampada, puxou o nariz para um lado que ele conhecia bem. Assim mesmo, disfarçando ou tentando disfarçar a decepção, foi até ele e beijou sua face. Incrédulo pensou ter acertado em cheio. Porém, dias depois viu pedaços do vestido sendo usado como pano de chão. Nada disse. Apenas sentiu no peito a marca de que não acertará.
Dessa vez tinha que acerta, porra!
Disse entrando na loja. Já tinha vasculhado todos os magazines possíveis,
talvez nessa loja chique encontrasse o que procurava. Dissimulando a timidez,
perguntou a vendedora que se aproximava:
- Ahn, por favor.
- Pois não, senhor, o que deseja?
Porra! O que ele deseja. Será que
conseguiria expressar exatamente o seu desejo? Olhando para a bela morena a sua
frente, exprimiu em pensamento:
- Desejo você na cama comigo...
- O que foi Senhor?
- Desculpe nada não, não disse nada.
Gentil a bela morena não deu a perceber o
sentido de suas palavras.
- Bom. O caso é o seguinte... To a procura de algo especial. De algo
que nunca dei como presente entende?
- Não sei se entendi direito. Mas o
senhor esta a procura de um presente magnífico. É isso?
- Sim, vossa excelência captou minha
mensagem jovem guru. Como será o feminino de guru?
- Não sei senhor. E acho que isso
não é o mais importante agora, não é senhor?
- Evidente que não é.
Desculpe-me, é que estou quase ficando louco por causa desse presente.
- Entendo.
E durante quase uma hora, a gentil
vendedora morena, que só conseguia imaginá-la nua na cama com ele, ouviu várias
sugestões que foi descartando uma a uma, até esgotar a paciência da moça.
- Olha, desculpe tomar o seu tempo,
a sua gentileza, não é nada disso.
- Pois não, senhor. Estamos
aqui para servi-lo. – disse com o semblante de que não era desejado ali.
Novamente na calçada imprimindo os
passos sem que ficasse a marca visível, como os famosos deixavam na calçada da
fama, perdido, abobalhado, atulhado de dúvidas, já tinha esgotado todo o seu
arsenal de probabilidades. O que deveria fazer, disse ao reflexo no espelho da
vitrine de uma loja de calcinhas e sutiãs. Não, roupa intima nunca. Não
conseguia nem comprar absorventes, como poderia comprar uma roupa intima para
ela? Nunca, gritou o subconsciente.
- Quanto custa? – perguntou.
- Duzento. – respondeu a coreana sem olhar para ele.
- Duzentos o que?
- Duzentos reais.
- Tem desconto?
- Desconto não.
- Mas tá muito caro?
- Se vai querer comprar, compra logo, se num vai querer comprar vou
guardar.
- Está bem, não precisa ser rude.
- Num ser rude. Ser prática vendedora, negócio, dinheiro.
- É eu sei.
Estava quase duas horas naquele antro de bugigangas e tralhas contrabandeadas.
Lojinhas minúsculas, apertadas onde mal dava para entrar e escolher com calma.
Precisava empurrar, se enfiar entre corpos e corpos de homens e mulheres se
quisesse comprar alguma coisa. Falar por cima dos ombros para o vendedor
entender. Corredores e mais corredores deixando-o confuso, passando pelas
mesmas lojas mais de uma vez.
- O senhor de novo?
- Ah! Desculpe, já passei por aqui?
- O que o senhor acha?
- Ta bem, não precisa se ofender.
E lá voltava ele a perambular entre os corredores infernais. Até que
conseguiu se achar naquele pandemônio de ida e vindas e vindas e idas. Uma
barulheira de vozes e sons indecifráveis.
- Desculpe. Com licença.
Conseguiu entrar numa apertada lojinha. Tinha visto uma parafernália
tecnológica. Talvez, ela gostasse, vamos ver, pensou ao erguer a cabeça para
falar com o vendedor de cara amarrotado.
- Diga.
- Queria ver aquele porta-retratos.
- Este?
- Não, o outro, da direita.
- Ah! Este?
- Não, eu disse direita e não esquerda.
- Sim. Pronto aqui está.
Ao mesmo tempo em que o coreano o atendia, atendia também diversas
pessoas, tudo numa confusão de vozes, perguntas e esclarecimentos.
- Por favor, para que serve isso?
- Ligar televisão.
- Televisão?
- É televisão – disse atendendo o sujeito ao lado dele – cinema, música
o que quiser.
- Interessante. Tem garantia?
- Garantia? É?
- É garantia.
- Três meses.
- Só isso?
- Só isso mesmo.
- Quanto é mesmo?
- Duzentos e cinquenta.
- Duzentos e cinquenta reais? Tem desconto?
- ... – silêncio.
- Faz um desconto que eu levo.
- ...
Ele ficou esperando.
- Tá bom. Desconto, duzentos e quarenta.
- Dez reais de desconto, razoável. Vou levar.
Nisso ouviu-se barulho de portas metálicas, de correr, sendo fechadas
com estrondo.
- No. De novo? Segunda vez que eles aparecem. – disse o coreano
arrancando o dinheiro e jogando a caixa na mão dele.
No corredor não pode sair. Três policiais catavam as mercadorias e
jogavam para dentro do saco plástico. De repente, ficou cara a cara com os
policiais. Sem perguntarem nada, arrancaram da mão dele a caixa e jogaram para
dentro do saco.
- Ei, espere. Isso é meu. Comprei agora mesmo.
Um dos policiais perguntou para o coreano de
cara amassado.
- Você vendeu para ele?
- No, não vender nada pré ele.
- O que? Não me vendeu o porta-retratos?
- No vende nada aqui.
- Vendeu sim.
- Então mostre a nota fiscal –
gritou o policial.
- Não tenho nota nenhuma, eles
não dão nota.
- Então você não comprou nada.
- Espere. O coreano filho da puta, diga
para eles que comprei...
- No. Coreano não vende sem nota fiscal.
- Seu desgraçado, vou te bater.
Os policiais o seguraram, mesmo assim, conseguiu com a mão fechada
acertar o queixo do coreano que caiu para trás gritando.
- Bateu em mim...
Os policiais o agarraram.
- Vamos. Vai para delegacia.
Enquanto o levavam, olhou para traz e viu o coreano entregando um maço
de notas para o policial que parecia ser o comandante da operação. Tentou se
livrar das mãos dos soldados sem sucesso. Jogado para dentro do camburão, junto
com os outros coreanos, sentiu-se humilhado, fraco sem poder agir. Olhou o
relógio. Vinte e duas horas! Ela está esperando, é seu aniversário. Deve estar
preocupada. Não vai acreditar no que está me acontecendo. Que merda! E enfiou a
cabeça entre as mãos e dormiu.
- Ei. Dorminhoco, acorde.
Gritou o policial batendo com o cassetete nas grades. Levantou a cabeça
sonolenta. Olhou em volta. Estava sozinho na cela.
- O que foi? Onde estão os outros?
- Que outros? Não têm outros, só tem você.
- Como não! Quando me trouxeram tinha bastante coreano aqui na cela.
- Cê tá sonhando, meu. Acorda malandro.
- Não sou malandro.
- Não grite comigo, o meliante, senão passa a noite aí para ver o que é
bom.
- Tá bom, desculpe.
- Tá desculpado. Pode sair. Está livre. Não há nenhuma acusação contra
você.
- Que horas são?
- Duas horas da madrugada. Pegue suas coisas e puxa o carro, vamos.
Pegou suas coisas e saiu na madrugada silenciosa. E, agora, José?
Perguntou a procura de um táxi. O que mais o preocupava era que não tinha como
explicar para a mulher o que lhe acontecera. Não acreditaria nele. O que ela
estaria pensando? Preparou-se para o que desse e viesse.
Acreditaria que andou a cidade toda para
achar um presente especial para ela? Que foi preso naquela espelunca tentando
comprar um porta-retratos digital? Não acreditaria. Também porque foi entrar
naquela merda. Tinha conhecimento que a federal estava sempre dando batida,
prendendo, apreendendo, fechando, mas também não podia a policia esperar ele
sair? E agora, José? Sem grana, sem o presente, sem nada, cansado, sujo, suado,
cheirando a azedo, a roupa amarratoda. Bom, vamos ao que der e vier, pensou.
Ao descer do taxi, pagando a corrida ao motorista, olhou para cima. Que merda! A luz do apartamento estava acesa, isto queria dizer, que ela estava acordada esperando-o. Esticou o dedo para pressionar o botão do elevador, pensando melhor, decidiu subir pela escada, assim daria tempo para pensar melhor. Eram apenas oito andares.
Ao descer do taxi, pagando a corrida ao motorista, olhou para cima. Que merda! A luz do apartamento estava acesa, isto queria dizer, que ela estava acordada esperando-o. Esticou o dedo para pressionar o botão do elevador, pensando melhor, decidiu subir pela escada, assim daria tempo para pensar melhor. Eram apenas oito andares.
O casamento capengava há um bom tempo, desde o nascimento da segunda
filha, procurava uma solução para que não degringolasse de vez. Já tinha feito
de tudo, chegara ao ponto de se rebaixar, no entanto o ciúme terrível da mulher
vinha estragando tudo. Até que um dia, não aguentando, anunciou que iria
deixá-la. Disse num momento de raiva, num momento em que a razão falou mais
alto que o coração. No mesmo instante se arrependeu. Não voltou atrás, ela não
retrucou, ficou quieta, nada disse. Então, ele deixou como estava.
Foi então, ao se barbear antes de sair para o trabalho, deu um ultimato
a ele mesmo. Será hoje, vou procurar um belo presente para ela, tentar
conquistá-la, aplacar o seu ciúme aterrador, provar que só ela é que era a dona
do seu pensamento. Caso continuasse com os ciúmes decidiria mesmo a ir embora,
deixar ela com as crianças. Mas como toda a regra tem exceção, como não podemos
saber o que nos acontecerá um minuto antes, teve seu dia de azar. Que merda!
Ofegante parou em frente à porta
do apartamento. Tentou ouvir algum som, nada, silêncio total. Devagar enfiou a
chave e girou. A porta foi abrindo lentamente. A sala silenciosa descortinou
aos seus olhos. Deu dois passos para dentro da sala. A luz acessa, cruzando o
teto estava duas fileiras de balões, ao fundo uma faixa com os dizeres:
Parabéns, em cima da mesa viam-se copos sujos, pela metade, pratos de bolos
amassados, guaranás tombados, uma cena tipicamente de aniversário. Parado no
meio da sala ficou observando o vazio de pessoas. Onde estavam todos? Não o
esperaram. Nisso, viu um envelope encostado no bolo. Abriu e leu:
- Cansei de esperar. Fomos para a casa da minha mãe. Não sei se
voltarei.
Ele deu de ombros. Pegou uma garrafa de uísque, um copo, puxou a
cadeira, apoio os pés sobre a mesa, derrubando o resto de bolo no chão. Pouco
se importava com ela, no momento o que queria era tomar um bom e gostoso uísque
enquanto ouvia o som da madrugada correndo lá fora.
- Amanhã será outro dia, disse mansamente.
pastorelli
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