Amanda Cervantes
Cláudia, há dois anos você lançou o
romance A flor da pele, o qual
tratava de uma relação amorosa considerada tabu, agora, em O mundo Perfeito, aparece o desvendamento de uma relação
considerada perfeita. Existe algum plano maior que vai além da individualização
das obras na sua construção artística?
O
plano maior é não haver plano (risos), é usar da liberdade que a arte
proporciona para contar histórias improváveis, tornando-as palpáveis,
possíveis. Sou fascinada pela condição e relações humanas e procuro explorar
suas peculiaridades através da literatura. É como se houvesse um mundo obscuro
escondido atrás do que é supostamente real e eu busco caminhar por ele, pelas
palavras e pelas sensações despertadas por ela.
Vivemos um momento onde não há muito espaço
para sutilezas, você teme/temeu que confundissem algumas falas emitidas pelo
narrador do seu novo trabalho como se fossem suas?
Quando
escrevo não há espaço para temores, muito pelo contrário, é um espaço de
ousadia do pensar, ainda mais pela minha opção ser sempre buscar temas
diferenciados. As falas no narrador não deixam de ser minhas também,
transmutadas nos outros que se apoderam de mim durante a criação. Talvez por
isso sejam tão próximas dos leitores. Somos
tudo que fazemos e a arte não está livre disso. A voz do livro é a nossa
própria voz transformada em uma alegoria da realidade. E é isso que tem que
ser, para que ele toque verdadeiramente a alma do leitor.
Pensando em possíveis diálogos com
o seu novo trabalho me vem à cabeça o filme A
doce vida, do Fellini, Madame Bovary,
do Flaubert. Quais outras obras você colocaria nesta roda de conversas?
Acredito
que com A vida como ela é, e outras
obras teatrais de Nelson Rodrigues, seria um bate-papo fantástico! A obra de
Nelson Rodrigues foi uma forte influência na minha escrita. Imagino que Luísa,
Eduardo e Severino poderiam dialogar facilmente com o universo rodriguiano.
É ousado dizer que a exterioridade
que você deu para Luísa é um contraponto a interioridade trabalhada por Clarice
Lispector em suas personagens de mulheres ricas e de classe média?
É uma honra pensar Luísa fazendo um
contraponto com as personagens de Clarice. A exterioridade é uma característica
da sociedade atual, que se expõe em máscaras o tempo inteiro. A verdadeira face
estará sempre escondida nos becos, esses que eu procuro descobrir e explorar.
Luísa exterioriza em pensamento o que não temos coragem de revelar. É muito
fácil odiá-la e ao mesmo tempo (secretamente) identificar-se com ela. A
interioridade e a exterioridade são opostos complementares que são necessários,
cada um a seu tempo. E a arte o que possibilita isso.
Na primeira pergunta da nossa
conversa, apareceu o tema do tabu, a desconstrução da ideia de que toda mulher
nasceu para ser mãe e quando o é ama seus filhos é o ponto mais delicado que já
abordou em sua escrita?
A desconstrução do amor materno foi a
motivação inicial para o romance. É sem dúvida um ponto delicado,
principalmente porque fomos educadas e ensinadas a enxergar apenas a perfeição
em nossos filhos. Luísa é profundamente incomodada por ter sua fantasia de
filhos modelo frustrada, o que influencia diretamente os sentimentos pouco
convencionais que ela tem por eles. A sombra, os desejos ocultos e não
compreendidos aparecem durante o romance em outras diversas situações e é
interessante que cada leitor acaba se identificando com alguma das facetas da
história. Em A flor da pele, abordar
o tema da sexualidade feminina de duas maneiras não habituais (a sexualidade de
mulheres mais velhas e a homossexualidade) também foi bastante difícil. A mágica do romance é justamente proporcionar
ao leitor contato com o que ele desconhece de si mesmo em universo (quase)
seguro que é a literatura. Eu gosto de escrever para incomodar, para não deixar
o leitor confortável em mundos que ele já conhece. E através dos mundos das
histórias que conto ele poderá descobrir seus próprios mundos.
O fato de você ter escolhido uma
narrativa linear, sem os malabarismos de linguagem, tal como destacou na orelha
a Maria Valéria Rezende, causou-lhe medo de ter o seu romance considerado uma
obra anacrônica?
O
gosto pela simplicidade da linguagem é uma ferramenta que utilizo para enredar
o leitor. Ele, preso ao universo da história, faz com que a narrativa seja
eterna, seja atemporal. Minha formação como escritora teve início com bons
contadores de histórias. Eu ficava encantada de como uma coisa aparentemente
comum, podia ser transformada em algo fantástico através da linguagem. É o que
procuro com os meus escritos, contar uma boa e surpreendente história,
independente de tempo e espaço.
O escritor Anderson Fonseca diz na contracapa
que os seus romances são portas para o universo feminino. Até onde esta
afirmação deixa de ser um elogio para se tornar um enquadramento limitador?
Acredito
ser uma afirmação provocadora. Criar personagens femininas diferenciadas,
desvelar o universo feminino por outros olhares é um grande desafio. E a
liberdade proporcionada pela arte, a qual citei no início da nossa conversa,
permite que eu busque novos caminhos. Protagonistas mulheres podem ser
relativamente confortáveis quando se é mulher. Não digo que seja fácil, mas é
algo que já está em você. O meu próximo romance terá um homem como
protagonista, que será para mim um grande exercício narrativo, uma mudança de
olhar. Sair de sua zona de conforto é algo extremamente excitante. Meus
próximos olhos serão masculinos e estou curioso por olhar por eles.
Eduardo
era um homem perfeito, só que não era um bom reprodutor. (pg. 137); Gorda, nua e suada, delirava em transe. (pg.197); Era só ele lá, cumprindo com maestria seu
papel de macho. (pg. 98). Como lemos nestas breves citações do seu livro,
há nele o que podemos chamar de traços naturalistas, foi coincidência ou você é
admiradora desta escola literária?
Não
tenho preferência por escolas literárias específicas. Gosto de ler o que me dá
prazer, o que me desperta os sentidos. Minhas leituras caminham entre poesia,
surrealistas, infantis, realismo fantástico, contemporâneos, contos... Acredito
que no fundo carrego um pouco das diversas referências literárias que tenho.
O que há na literatura de Cláudia Marczak?
Muita
coisa pra ser descoberta e novas experiências literárias. É um caminho longo,
árduo e fascinante. Ainda caminho no caos e busco o encantamento do leitor, que
é um desafio a cada linha escrita. Atualmente estou trabalhando em um novo romance,
O Doador, devo a retomar a escrita de
alguns infantis que estavam repousando e tentar a publicação de uma coletânea
de contos. O mais importante é
prosseguir. Não há como eu me entender,
a não ser pela palavra.
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