A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a se maleada;
a de poética, sua carnadura concreta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la).
João Cabral de
Melo Neto
Mais
um corpo, deitado próximo ao banheiro da estação Marechal Deodoro do metrô, ali
havia muitos outros, a concorrência era grande, no início, o status de
recém-chegado facilitava sua vida, homens carentes lhe ofertavam grana em troca
de favores sexuais, ele dizia que era só pelo dinheiro, que gostava mesmo era
de mulher, mas dizia isso quando havia em sua cabeça uma ideia de eu, agora o
corpo envolto em trapos, dentes careados, não atraem mais clientes.
Desenvolveu
um método para arrecadar contribuições, todos sabem que ninguém dá dinheiro
para usar drogas, inclusive os dependentes-pedintes, então havia a velha máxima
do: uma moedinha para comer. Contudo, esta já estava batida, lembrou-se do
professor de Biologia do ensino médio, que dizia sempre: É importante definir o
método, para obter o resultado desejado.
Primeiro passo:
Abordar mulheres que estejam sozinhas; Segundo
passo: no momento da abordagem, abrir os braços para parecer maior e
agressivo; Terceiro passo: dizer que
as moedas servirão para tomar um café, apontando a barraquinha de pão de queijo,
localizada em frente à entrada da estação.
O
tempo já não era medido pelo relógio, mas sim pelos sinais do corpo pedindo por
mais química.
Resultado:
Momentos depois, ele se afastava dos demais ignorados, buscava a solidão, não
porque precisasse de um momento de introspecção, mas apenas para proteger sua
pequena fortuna: R$10,00. Dinheiro suficiente para uma viagem. Com carinho
pegou seu cachimbo, o que lhe diferenciava dos seus pares, não improvisava,
usava a herança de sua avó, para quem o utensílio servia para consumir fumo de
rolo. O bom e velho fornecedor: Pedra em mãos, antes da paulada, regressou
rapidamente, aos 16 anos, fuga da escola, aproveitou a comoção da morte de um
aluno da outra turma e saiu calmamente pelo portão, no muro de trás, perto da
quadra, encontrou uns caras para fumar unzinho, mas naquele dia, o camarada Márcio
tinha uma novidade, algo mais forte.
Isqueiro
em mãos, agora era só acender a bomba, segundos antes do gesto, reapareceu em
sua frente Clotilde, a professora de Língua Portuguesa, ela lhe mostrava a
imagem de um poeta magro, mais magro do que ele agora, dizia-lhe um verso: No meio do caminho tinha uma pedra.
1 Comentário
Rápido e preciso. A construção segue bem o seu estilo. Creio que isso já esteja introjetado. A referência ao Drummond foi uma boa sacada, ajuda-nos a refletir e pensar numa pedra não só concreta, mas também transcendente, uma pedra-signo que é muito mais que pedra. O leitor é levado a pensar no porquê das pedras, dos obstáculos da vida. As pedras podem ser externas e internas. No caso de seu texto, o ato de absorver a pedra transforma-se em poesia, pois é o alívio e a perdição do usuário, assim como os percalços da existência: sofremos para aprender a lidar com a dor e não mais sofrermos tanto, contudo, esse ciclo nunca se fecha, sempre há novas maneiras de se ferir e a droga-remédio logo deixa de fazer efeito.
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