sábado, 16 de setembro de 2017

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QUEBRA DE SERVIÇO





Com a riqueza e a fama, a gente se acostuma fácil. Duro mesmo é se readaptar ao inferno depois de uma bela temporada no paraíso. Mas agora é assim, e não há nada que se possa fazer a respeito. Material esportivo novo e à vontade? Foi-se o tempo. Enquanto um calção está em jogo, o outro - emprestado - ficou em casa de molho com sabão de ação concentrada para ver se sai uma mancha de saibro, causada por um escorregão feio na última partida. A queda, na quadra e no ranking, abriu um rasgo nos fundilhos, mas nada que uma tia velha que costura pra fora não possa resolver.

Troquei o treinador pelo paredão, e essa miserável alternativa consegue ser pior do que praticar com aquelas máquinas lançadoras de bolas (que, aliás, precisei permutar com 12 tubos de bolas Wilson, já que as três últimas que tinha estavam carecas e rachadas). Os bons tempos das nove raquetes novinhas e embaladas em plástico por partida, de 4 materiais diferentes, agora se resumem a uma filha única, de aro entortado e encordoamento frouxo. O pior é que não posso exigir muito dela nos treinos, caso contrário não sobra raquete para as partidas. 

O contrato com a Nike foi quebrado unilateralmente, e tive que assinar às pressas com a paraguaia Neki, que é quem custeia o sabão de ação concentrada para tirar as manchas dos calções - o meu e o emprestado. 

Na última partida ainda sob o contrato antigo, nem todos percebiam mas a inanição já minava a minha massa muscular, comprometendo a performance e distraindo minha atenção do jogo. Estávamos nas oitavas de final do US Open, e o juiz interrompeu a partida para dar uma raspança em um espectador que saiu do seu lugar para comprar um hambúrguer. O meu e todos os olhares do mundo voltaram-se para ele, já que ninguém pode se movimentar pela arquibancada com o jogo em andamento. A diferença é que, enquanto todos lamentavam a desconcentração causada pelo ocorrido, eu olhava salivando para aquele suculento sanduíche transbordante de recheio. Eu queria levar aquele Double Open Extra Burger para a cama e botar minha fome em luta corporal com ele. 

Até outro dia, eu só assinava autógrafos e meus assessores cuidavam do resto. Agora, vivo assinando promissórias e empréstimos bancários. O último autógrafo que dei como astro das quadras foi para o irmão de um agiota para quem penhorei todos os troféus de Grand Slam, e que ainda se lembrava vagamente da minha glória antes da decadência. 

Bem, depois prossigo este relato. O porteiro do prédio acabou de interfonar, dizendo que o representante da Laboste está subindo aqui para a minha kitnet. Veio falar sobre uma proposta de abandonar o patrocínio da Neki e assinar com a marca deles para a temporada 2018. 



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