segunda-feira, 6 de novembro de 2017

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COMO DESAPARECER COMPLETAMENTE?


Por meio do título de uma canção, Thom York lança a pergunta: Como desaparecer completamente? Há poucos dias, ao tentar visitar a página do cantautor Renato Inácio, verifiquei que o seu site está fora do ar, assim como a sua página e perfil no facebook.
Renato é paulistano, tem dois álbuns lançados nesta segunda década do século XXI, no primeiro trabalho batizado como Porão (2013), influenciado pela estética que percorreu e ainda se faz presente no atual cenário da música brasileira, a mescla entre harmonias e melodias de MPB com o universo do indie rock, ele construiu uma boa coleção de canções que podem ser agrupadas em três compartimentos: Confusão de palavras, Terceiro copo, Fascismo emocional e Sincera dialogam perfeitamente com a mescla citada acima, ecoando um possível diálogo com os Los Hermanos, mas Renato é mais passional e direto do que o rotineiro tom blasé dos barbudos cariocas.
No segundo bloco se agrupam canções, como a belíssima Distância, primeira composição dele segundo o que relatou numa aparição no Record News Música, concebida em solo argentino, quando o rapaz cursava uma graduação em Letras por lá, o ukelele e voz nos guiam pelo ambiente das janelas existentes nas paisagens que sobrevivem às intempéries das estações externas e internas.
Em ritmo de marchinha, uma melancolia típica de quarta-feira de cinzas dá as caras na canção que dá nome ao trabalho, fazendo luzir o escuro que ilumina o frequentador daquele bloco de um homem só. As dores amorosas mal curadas se fazem presente em Queda: Ainda não sarou/ Aquela queda foi demais.
O flerte com o blues está em Canção Desesperada, e se Todos os caminhos me encaminhavam para ver o mar, canta o jovem, apontando para um desejo de fuga da metrópole, Marginal que inaugura o terceiro bloco, realiza a junção por meio da sonoridade rock gritada (anúncio do que seria ouvido em Limbo) o desconforto do tráfego a narrativa das vidas coaguladas pela paisagem de Sampa: Não vou morrer dentro de mim/ Me leve pra qualquer lugar, enxergando o afunilar do labirinto chamado São Paulo.
Já em Fascismo emocional, um rock dançante lança uma negação que o autor não conseguiu atingir, já que a arte pode ser definida como uma escavação eterna à procura de não sei quê: Não quero procurar o eu profundo/ encontrá-lo e viver pior que um cão.
Limbo (2016), este bem definido como um álbum, estruturado na estética power trio, é mais violento poética e musicalmente., tal qual, no primeiro disco do Barão Vermelho, um grito abre  os trabalhos declarando guerra em Estamos feridos.
Se Jean Jacques Rousseau lamentou em seus devaneios: As distrações de minhas caminhadas diárias muitas vezes foram preenchidas por contemplações encantadoras de que lamento ter perdido a lembrança. Tendo inconscientemente aproveitado a figura do flâneur conceituada por Walter Benjamin, Renato Inácio captou bem instantes do cotidiano, na inspirada Linha 4 (alusão ao metrô de SP), o platonismo da paixão instantânea pela moça que caminha á frente do narrador, uma crônica musicada com uma linha reta que explode no refrão da impossibilidade: Quase sempre é nunca mais, é só.
Se numa daquelas viagens entre planetas o Pequeno Príncipe tivesse perdido o encantamento pelo mundo, o resultado seria Asteroide, que tem como destaque a linha de baixo do excelente Ricardo Blane.
Se o trabalho tivesse que ser resumido em uma só canção poderia ser em Hedonismo, letra curta, gritada e ao mesmo tempo doce, desesperançada, numa estética musical que dialoga com os ruídos do grunge.
Renato pode vestir a camisa do time de artistas que captaram a aura encantadora e hostil da maior cidade da América do sul, o silêncio solo fértil onde brota o barulho pode ser representado por meio dos versos: Agora que me transformei em cimento/ Na mesma cidade não sinto mais nada/ Com luzes que enganam que tudo está claro/ Estamos sozinhos no engarrafamento.
Torçamos para que a onda de embrutecimento e emburrecimento que tenta assassinar qualquer possibilidade de expressão da interioridade, nesta triste pátria chamada Brasil, não tenha conseguido desanimar o jovem e promissor cantautor.





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