quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

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SEDUZIR A PRÓPRIA MORTE




“... No caldeirão / do mundo / fazer a receita da vida: /
beber a por(r) ação: // a pomba da paz”
(José Eduardo Degrazia)


Ninguém sabe como vivo na solidão, tramando a unidade, sofrendo saudades, desenhando palavras tristes e andando na contramão da vida. Dessa maneira, trago presente a vontade de seduzir a própria morte. Com ela descubro uma força estranha, sem ritmo e compasso, que arquiteto na mente e, em silêncio, exercito o meu desejo como algo diferente, um paradigma para rotular a morte ao cumprir meu papel no mundo. José Eduardo Degrazia retrata, “... A voz / desconexa / a dor / ancestral”.
Assumo como incontestável o fato de que posso seduzir a própria morte, porque ela me faz pensar o quanto vivo para lembrar as cores e os impulsos latentes da vida; o quanto de lágrimas derramadas, que o cotidiano me perturba e desespera ao caminhar pelas margens, mostrando a minha sombra sem reticências. Degrazia reflete, “... em cada passo / fica um ano / devorado / afogado no tempo / quem continua a caminhada?”
Desejo a própria morte, quando busco motivos alegres nas lições da vida e não os encontro, apenas, vivencio sinais de novo tempo, onde a expectativa de viver é representada pelo dinheiro e não pela liberdade. Segundo Gilberto Mendonça Teles, “... Todos os dias, meu amor / alento / o desespero de ficar, sentindo / que o absoluto da vida tem seu preço...” . Em nome do desejo sacrifico-me mais do que necessito, o que faz de mim apenas a sombra de um livro fechado. Momento em que penso parar, num modo de me afastar da vida, pois perco o rumo quando resta apenas o consumismo, que é caminho sem volta, onde o Ter acaba com o espaço do Ser e, ainda, me arrasta com queixas de falta de tempo para o lazer; sorrateiramente, a solidão chega para ficar. Caminho sem luz, que evita as coisas simples da vida e não dá importância ao que merece, causando acidentes no percurso.
Lembro Maria da Penha, “brasileira que lutou por 20 anos para ver preso o ex-marido, que tentou matá-la duas vezes. Por causa da demora da justiça em condená-lo, a Organização dos Estados Americanos puniu o Brasil por negligência à violência doméstica e recomendou a criação de uma lei para o tema – em vigor desde 2006”.
No meu delírio penso a morte como destino, o que me torna parecida na necessidade de buscar justiça neste mundo em descompasso com o tempo; ainda em José Degrazia, “... Somos o trem / da morte / mochila de sonho / às costas. // Sabemos do voo do condor”. Quanto mais penso em seduzir a minha morte, mais aumenta a profundidade do abismo e diminuem meus medos e princípios.
De repente, o tempo parece não ter sentido. Não é comum dar uma pausa na vida. O que quero dizer é que comparando ao que já vivi, a perda presente é desafio e, isso, não me permite respirar calmamente, nem voltar a fazer as coisas no meu ritmo, o que produz em mim o efeito sedutor da morte como ousada decisão em forma de interrogação.
A questão é que esse assunto se tornou o meu refúgio ao me distanciar da realidade e ver a vida em imagem distorcida. É importante mostrar que minha escolha é reflexiva numa opção sem culpa. Inocêncio de Melo Filho retrata, “O homem encontra a morte / Ou a morte encontra o homem? / Sento-me na minha cadeira de balanço / Com esta indagação. / Adormeci com várias palavras / Que não teciam uma conclusão / Acordei com as costas doendo. / Balanço-me na cadeira / A indagação foi e veio / Só não veio a resposta...”

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