quarta-feira, 12 de setembro de 2018

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SOB O CÉU DE POLIETILENO



Não fosse este meu olhar de plástico, neste momento estático sob o céu de polietileno, forrando o teto estampado de estrelas da sala dos fundos de minha garganta profunda, onde os sonhos gangrenam.
Talvez eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não fosse este feixe de luz, por onde o dia me escapa, fazendo com que as lágrimas chamuscadas vertam por minha face escarlate queimando como vela consumindo o pavio curto, que só tomba quando a vela acaba.
Talvez eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não fossem estas tardes frias de outono, deste zunido de vento, dentro deste cemitério-tempo onde pousam meus sentimentos, onde abro minhas feridas, descasco meus tumores e lambo minhas ínguas.
Talvez eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
 Não fosse este espaço-crúcis, nesta via de mão única, no qual mantenho meus braços e pernas abertos, estendidos, prontos ao ritual de amputação dos membros, preparando-os para a fervura em fogo brando, sem o tempero das flores ou de gemidos.
Talvez eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não fosse esta noite monstro, de rosto invisível a carcomer os glóbulos brancos dos meus olhos de vidro com a mesma gula em que as plantas carnívoras, silenciosa e vorazmente, devoraram os jardins da babilônia com tempero de azeite impuro.
Talvez eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Quando penso na morte o mundo fica suspenso diante de mim. As pálpebras, as horas, as folhas, tudo fica imóvel.
A respiração para, o vazio expande, o grito é oco e pouco, o céu é branco, o chão cega e afunda numa queda que não se acaba. Fico ali diante dos pontos luminosos que acendem e se apagam lentamente
Quando penso em morrer fico estatelada no meio da sala, diante da porta fechada, não ouço nada, nem céu, nem mar, nem lama, sei que meus pés estão imersos, mas não sinto nem nojo, nem calafrios, nenhuma dor que me perfure o fígado.
Quando penso na morte me calo, frente ao silêncio que a morte me causa.
Tento me lembrar, por quanto tempo estive morta?
Diante da vela que me despe, revelando a transparência do meu corpo de pedra e PET, percebo esta luz pouca que me resta, uma fagulha em meu peito, um caminho estreito, nele pulsa uma chama acesa, inda que só uma réstia, inda que só um fio em brasa que me move para além da porta.
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Ligia Regina Lima
11/09/2018


Sétima postagem do projeto em que uma escritora dialoga com uma fotografia. Desta vez, Ligia Regina Lima, artista plástica, cantora e poeta, nos brinda com sua prosa poética.

2 comentários

ligia

Gratidão pela parceria Fernando, suas imagens já falam por si, mas é uma imensa inspiração para quem as vê! grande abraço
Ligia Regina

Enide Santos

Uauuu Tudo maravilhoso por aqui,PARABÈNS