Não
fosse este meu olhar de plástico, neste momento estático sob o céu de
polietileno, forrando o teto estampado de estrelas da sala dos fundos de minha
garganta profunda, onde os sonhos gangrenam.
Talvez
eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não
fosse este feixe de luz, por onde o dia me escapa, fazendo com que as lágrimas
chamuscadas vertam por minha face escarlate queimando como vela consumindo o
pavio curto, que só tomba quando a vela acaba.
Talvez
eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não
fossem estas tardes frias de outono, deste zunido de vento, dentro deste
cemitério-tempo onde pousam meus sentimentos, onde abro minhas feridas,
descasco meus tumores e lambo minhas ínguas.
Talvez
eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não fosse este espaço-crúcis, nesta via de mão
única, no qual mantenho meus braços e pernas abertos, estendidos, prontos ao
ritual de amputação dos membros, preparando-os para a fervura em fogo brando,
sem o tempero das flores ou de gemidos.
Talvez
eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Não
fosse esta noite monstro, de rosto invisível a carcomer os glóbulos brancos dos
meus olhos de vidro com a mesma gula em que as plantas carnívoras, silenciosa e
vorazmente, devoraram os jardins da babilônia com tempero de azeite impuro.
Talvez
eu não pensasse no silêncio que a morte me causa.
Quando
penso na morte o mundo fica suspenso diante de mim. As pálpebras, as horas, as
folhas, tudo fica imóvel.
A
respiração para, o vazio expande, o grito é oco e pouco, o céu é branco, o chão
cega e afunda numa queda que não se acaba. Fico ali diante dos pontos luminosos
que acendem e se apagam lentamente
Quando
penso em morrer fico estatelada no meio da sala, diante da porta fechada, não
ouço nada, nem céu, nem mar, nem lama, sei que meus pés estão imersos, mas não
sinto nem nojo, nem calafrios, nenhuma dor que me perfure o fígado.
Quando
penso na morte me calo, frente ao silêncio que a morte me causa.
Tento
me lembrar, por quanto tempo estive morta?
Diante
da vela que me despe, revelando a transparência do meu corpo de pedra e PET, percebo
esta luz pouca que me resta, uma fagulha em meu peito, um caminho estreito,
nele pulsa uma chama acesa, inda que só uma réstia, inda que só um fio em brasa
que me move para além da porta.
.
Ligia
Regina Lima
11/09/2018
Sétima postagem do projeto em que
uma escritora dialoga com uma fotografia. Desta vez, Ligia Regina Lima, artista
plástica, cantora e poeta, nos brinda com sua prosa poética.
2 comentários
Gratidão pela parceria Fernando, suas imagens já falam por si, mas é uma imensa inspiração para quem as vê! grande abraço
Ligia Regina
Uauuu Tudo maravilhoso por aqui,PARABÈNS
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