sexta-feira, 22 de março de 2019

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Pequenas histórias 328


Pimenta
 

Pimenta. Sempre gostou de pimenta. Herdou o gosto do pai. O pai comia pimenta com farinha e ainda arrotava em bom som a satisfação de ter comido uma boa pimenta. Descendente de duas raças apreciadoras de comidas fortes, alemã pelo lado materno e, italiana pelo lado paterno, não podia fugir a regra. Gostava sim, não tanto como o pai, mas gostava. Uma comida apimentada na dose certa era excelente. Assim não podia faltar no prato uma boa pimenta. Pena que os restaurantes, não os de luxo, os chamados cinco estrelas, mas esses onde se oferece comida rápida, em que não se pode ficar duas ou três horas saboreando a comida numa boa conversa regado a vinho, não ofereciam boa pimenta. Esses restaurantes, muitas vezes nem restaurantes são, se denominam restaurantes, mas não passam de bares com uma estrutura que conseguem servir uma comida razoável. O atendimento desses estabelecimentos é para o pessoal que tem somente uma hora ou uma hora e meia para o almoço por isso está sempre cheio num vai e vem de desesperados famintos preocupados financeiramente e profissionalmente. No fim da vida, aos cinquenta ou sessenta anos, sofrerão as consequências dessa vida paranóica de sobrevivência.
Estando com mais de trinta anos de serviço nos costado e, talvez uns vinte anos na Avenida Paulista, não fugia a regra, aliás, não tinha como fugir, vivia na correria como todos os que, como ele, estava naquele momento se alimentando sofrivelmente nas poucas horas possíveis. E como todos, se servia desses sofríveis restaurantes com nome de bares de segunda categoria. E como todos, vivia na correria para passar o crachá na hora certa. Era igual como todos e ao mesmo tempo diferente de todos. Não corria na mesma procedência, não se desesperava com o horário, não se importava com a comida e muito menos com restaurantes sofisticados, tendo uma comida razoável que matasse a fome para ele era suficiente. Costumava dizer:
- Como para viver e não vivo para comer.
Portanto pouco se importava com o restaurante, a comida sendo boa ou razoável, estava muito bom. E naquela terça-feira entrou no restaurante de costume como sempre, sentou perto da parede, fez o pedido, e enquanto esperava, picou a pimenta, duas, bem picadas, em seguida despejou azeite, salgou um pouco e, passou a molhar o pão na pimenta e comer. No entanto no primeiro naco, assim que os dentes entrou em contato com o pão, a ardência da pimenta fez com que seus olhos se marejassem. Tomou dois goles de refrigerante e, passou a comer o pão sem molhar na pimenta.
- Porra, meu! Essa pimenta é das boas, disse mentalmente.        
Assim que o filé de frango com legumes e arroz foi depositado a sua frente, passou para o prato uma boa quantidade de arroz e misturou bastante. Com o garfo esparramou os grãos, depois juntou todos no meio, em seguida fez um monte dividindo o prato em duas partes e, numa das partes colocou um pedaço de filé de frango. Receoso passou a comer o arroz em garfadas pequenas, até que percebeu a ardência diminuir, o que fez com que saboreasse a comida mais lentamente.
Nunca mais achou uma pimenta como aquela.


Pastorelli

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