Ele considerou. Tinha que considerar. Se não considerasse o que lhe
aconteceria? Aí está uma pergunta que diria, vamos assim dizer: sem resposta.
Como prever o que lhe acontecerá? Ninguém tem uma resposta certa para essa
pergunta. O máximo que se poderia fazer era uma consideração dos fatos
positivos ou negativos. Bom, isso todos tem. Não há uma pessoa totalmente
positiva assim como não há uma pessoa totalmente negativa. E ele? Como se
considerava? Positiva ou negativa? Vejamos, disse olhando no espelho sua cara
amarrotada de sono e ressaca. Naquele momento só teria a dizer que era
negativo. Sim negativo porque enchera a cara na noite anterior e, por uma
infelicidade imprevista, deixou os amigos enroscados na conta da boate, e, por
não ter tido condições de levar o amigo que necessitava de apoio, até a casa
dele. Isto é, foi duplamente negativo. Mas me diga uma coisa: algo feito sem
premeditação poderia contar como negativo? Claro, não estava previsto toda
aquela bagunça envolvendo-o a ponto de se embriagar. A questão era que
prometera ao amigo não deixá-lo na mão. E o que fizera? Deixou-o no meio da
alcateia pronta a lhe dar o bote. Argh! O gosto de ferrugem não saia da boca.
Tomou um bom gole de água gelada. Arrotou azia tropeçada no sabor ácido do que
comera. Uma ânsia subiu pela garganta provocando outro arroto. Procurou alguma
coisa para beber. Revirou os armários da cozinha, do banheiro e não achou nada.
Abriu a geladeira e pegou uma lata de água tônica que virou goela abaixo de um
gole só. Pronto. Começou a se sentir melhor. Jogou-se no sofá afundando o
rosto no travesseiro e caiu no sono rapidamente.
A agulha espetava seu cérebro. Queria gritar, mas a voz não saia. Enfiou a
cabeça debaixo do travesseiro, continuava a ouvir o barulho da agulha
penetrando em seu cérebro. Ouviu a agulha? Agulha faz algum som? Não. Então de
onde era esse som estridente? Como muito custo chegou à conclusão que era a
campainha que, pelo jeito, estava tocando há muito tempo. Levantou tropeçando
nas roupas. Reparou que estava nu. Envolveu o lençol no corpo e foi abrir a
porta. Ficou engraçado. O lençol cobrindo-o da cintura para baixo e o restante
puxando o que encontrava pelo caminho, como se fosse uma cauda de vestido. Teve
um momento que se enroscou, deu um safanão pouco se importando com o barulho de
algo caindo. Merda! Quem vem me acordar a essa hora da madrugada. Olhou para o
relógio era duas horas da tarde. Credo! Dormi todo esse tempo? Encostou um dos
olhos no olho mágico. O que? Ele estava a sua porta? Por quê? Deveria abrir?
Claro. E ao mesmo tempo em que formulava essas perguntas, abriu a porta.
- Desculpe se te acordei, disse ele.
- Imagina, já estava levantando.
- Mentiroso.
- Tá certo, acordei agora com a campainha
tocando, e daí?
- E daí que vim buscar minhas coisas.
- Por quê?
- Ainda tem a coragem de perguntar o do por
quê? Ora bolas...
- Tudo bem, eu errei, não pode me perdoar?
- E para que? Para repetir novamente e
novamente e novamente?
Não obrigado, não preciso da sua ajuda.
- Espere vamos conversar.
- Não temos mais nada a conversar.
- Você está sendo injusto.
- Injusto ou não, tchau, passe bem.
Saiu batendo a porta. Ele deixou o lençol cair
aos seus pés.
- Droga! Saiu tudo errado.
Foi até a cozinha, pegou uma garrafa de uísque,
encheu uma boa dose no copo, sentou no sofá se entregando a mordomia de se
embebedar a tarde toda.
- Ah! Amanhã é outro dia, disse meio sonolento.
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