terça-feira, 18 de abril de 2023

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Ah! Amanhã é outro dia.


Ele considerou. Tinha que considerar. Se não considerasse o que lhe aconteceria? Aí está uma pergunta que diria, vamos assim dizer: sem resposta. Como prever o que lhe acontecerá? Ninguém tem uma resposta certa para essa pergunta. O máximo que se poderia fazer era uma consideração dos fatos positivos ou negativos. Bom, isso todos tem. Não há uma pessoa totalmente positiva assim como não há uma pessoa totalmente negativa. E ele? Como se considerava? Positiva ou negativa? Vejamos, disse olhando no espelho sua cara amarrotada de sono e ressaca. Naquele momento só teria a dizer que era negativo. Sim negativo porque enchera a cara na noite anterior e, por uma infelicidade imprevista, deixou os amigos enroscados na conta da boate, e, por não ter tido condições de levar o amigo que necessitava de apoio, até a casa dele. Isto é, foi duplamente negativo. Mas me diga uma coisa: algo feito sem premeditação poderia contar como negativo? Claro, não estava previsto toda aquela bagunça envolvendo-o a ponto de se embriagar. A questão era que prometera ao amigo não deixá-lo na mão. E o que fizera? Deixou-o no meio da alcateia pronta a lhe dar o bote. Argh! O gosto de ferrugem não saia da boca. Tomou um bom gole de água gelada. Arrotou azia tropeçada no sabor ácido do que comera. Uma ânsia subiu pela garganta provocando outro arroto. Procurou alguma coisa para beber. Revirou os armários da cozinha, do banheiro e não achou nada. Abriu a geladeira e pegou uma lata de água tônica que virou goela abaixo de um gole só. Pronto.  Começou a se sentir melhor. Jogou-se no sofá afundando o rosto no travesseiro e caiu no sono rapidamente.
A agulha espetava seu cérebro. Queria gritar, mas a voz não saia. Enfiou a cabeça debaixo do travesseiro, continuava a ouvir o barulho da agulha penetrando em seu cérebro. Ouviu a agulha? Agulha faz algum som? Não. Então de onde era esse som estridente? Como muito custo chegou à conclusão que era a campainha que, pelo jeito, estava tocando há muito tempo. Levantou tropeçando nas roupas. Reparou que estava nu. Envolveu o lençol no corpo e foi abrir a porta. Ficou engraçado. O lençol cobrindo-o da cintura para baixo e o restante puxando o que encontrava pelo caminho, como se fosse uma cauda de vestido. Teve um momento que se enroscou, deu um safanão pouco se importando com o barulho de algo caindo. Merda! Quem vem me acordar a essa hora da madrugada. Olhou para o relógio era duas horas da tarde. Credo! Dormi todo esse tempo? Encostou um dos olhos no olho mágico. O que? Ele estava a sua porta? Por quê? Deveria abrir? Claro. E ao mesmo tempo em que formulava essas perguntas, abriu a porta.

- Desculpe se te acordei, disse ele.

- Imagina, já estava levantando.

- Mentiroso.

- Tá certo, acordei agora com a campainha tocando, e daí?

- E daí que vim buscar minhas coisas.

- Por quê?

- Ainda tem a coragem de perguntar o do por quê? Ora bolas...

- Tudo bem, eu errei, não pode me perdoar?

- E para que? Para repetir novamente e novamente e novamente?

Não obrigado, não preciso da sua ajuda.

- Espere vamos conversar.

- Não temos mais nada a conversar.

- Você está sendo injusto.

- Injusto ou não, tchau, passe bem.

Saiu batendo a porta. Ele deixou o lençol cair aos seus pés.
- Droga! Saiu tudo errado.

Foi até a cozinha, pegou uma garrafa de uísque, encheu uma boa dose no copo, sentou no sofá se entregando a mordomia de se embebedar a tarde toda.

- Ah! Amanhã é outro dia, disse meio sonolento.

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