sexta-feira, 1 de março de 2024
DALVA BOLINHA
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábiasegunda-feira, 11 de dezembro de 2023
Ô Ô Ô Ô, AURORA
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábia
Sei que a época natalina inspira outros e mais nobres sentimentos. Mas é que acabei de resgatar, da minha caixa de e-mails, uma mensagem perdida e ainda não lida de meu amigo Josefredo Painieri Dantas, datada de fevereiro último, ou seja, dez meses atrás – em pleno reinado de Momo.
Patrulheiro das causas dos excluídos, discorre o Josefredo sobre o cunho politicamente incorreto que está implícito, ou explícito, na marchinha carnavalesca “Aurora”. Reflete ele:
Em 1940, ano da composição, brasileiras brancas correspondiam a 89% do total de Auroras no país, cabendo às pardas e negras apenas 11%. Minha pergunta: por que não batizar a música com o título de “Benedita”, nome onde as afrodescendentes predominam com mais de 80%? Por quê? Ou seja, “Aurora” é, antes de mais nada, elitista e segregacionista.
Aurora é também um termo latino que significa “amanhecer”, uma claridade visível antes do nascer do sol e que indica o começo do dia. Algo branco por natureza. Eis o racismo novamente, empregado de forma ardilosa no que parece ser uma inocente marchinha...
“Se você fosse sincera…”
O primeiro verso, segundo ele, já seria criminosamente preconceituoso, pois coloca sinceridade como não sendo próprio ao gênero feminino, o que enseja crime de misoginia.
“Um lindo apartamento, com porteiro, elevador e ar refrigerado para os dias de calor...”
O autor condiciona a virtude da sinceridade à ascensão social, na medida em que coloca Aurora como merecedora de uma vida digna desde que seja sincera. Raciocínio simplista e excludente.
“Madame antes do nome você teria agora…”
O verso demonstra que, caso tivesse a sinceridade que dela é cobrada, Aurora seria aceita, admirada e promovida a madame, obtendo assim a aprovação da sociedade.
Ao final de sua mensagem, meu amigo se despede de mim convicto dos absurdos cometidos pelos autores, submetê-los (ou seus herdeiros) à justiça. Anuncia também o objeto de seu próximo estudo/denúncia: a também marchinha carnavalesca “Cabeleira do Zezé” e seus insultos explícitos à comunidade LGBTQIAPN+.
Esta é uma obra de ficção
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quinta-feira, 30 de novembro de 2023
COADJUVANTES DA HISTÓRIA - A RODA
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábia
O cara quer reinventar a roda… desde que o mundo é mundo que toda roda é quadrada. Cada louco que me aparece! Mas esse aí foi demais, uma roda redonda. Fazer o que com isso, me fala?
É como o meu velho dizia, e tava pra lá de certo: uma mente vazia é uma oficina do capeta. O sujeito é desocupado e fica aí cheio de ideia destrambelhada, caraminholando coisa que não vai dar certo. É aquela ânsia de querer mudar por mudar, e acaba estragando o que é simples, funcional e inteligente do jeito que sempre foi.
Vê se tem cabimento um negócio desse. Pra encarar uma subida, empurrando a carriola, concordo que até é capaz de ficar um pouquinho mais fácil. Mas vai descer com um troço desse… imagina só, o carrinho desembesta e não tem como parar! Com a roda quadradinha é muito mais seguro, não é à toa que foi pensada pra ser desse jeito e assim ficou.
Outro problema da traquitana vai ser pra estacionar. Se tivesse usado a massa cinzenta, um pouquinho que fosse, a ideia não ia pra frente. Alguém iria alertar o besta, não é possível. Olha a situação: você pega a estaciona a carriola numa descidona daquelas. Arredondando a roda é um perigo – se não tiver freio de mão, já era. O dono vai pegar lá embaixo o que sobrou da viatura.
Eu argumentei, tentei fazer o cara mudar de ideia, mas não teve jeito. É cabeça dura quem nem só ele. Não vou discutir, me pagando pelo serviço eu faço, tudo bem. E que amanhã ninguém venha me dizer que o retardado fui eu, em aceitar fazer uma porcaria dessa. Dá até dó, meu Deus do céu, vai estragar tudo… olha que rodinha linda, um quadrado perfeitinho, sem nenhum canto gasto, pronta pra levar e trazer o vivente e suas tralhas pra cima e pra baixo. Se a gente pegar o manual do motorista, que vem com a carroça zero km, tá lá o aviso – é pra fazer a manutenção periódica tirando os cantos gastos pra não comprometer a segurança e não perder a garantia de fábrica. Justamente o contrário do que o maluco quer fazer.
A minha mulher acha que eu devo chamar a polícia. É, depois a gente vê o que faz. Deixa eu receber primeiro.
Esta é uma obra de ficção
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quarta-feira, 15 de novembro de 2023
O DILEMA DE MOSKA
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábia
É, parece de fato insolúvel o dilema de Erlon Moska. Sem sono, revira-se inquieto em sua cama king, às voltas com pensamentos ao mesmo tempo inspiradores e tenebrosos.
A rebatizada “X”, de rede social será alçada em breve a plataforma mundial de pagamentos. Não demora e todas as transações possíveis e imagináveis passarão por ela. E por ele. Na Moska, Erlon. Bravo!
Erlon já comunicou ao mundo que, pelo menos a princípio, a IA fará considerável estrago e todo vivente precisará receber uma renda mínima a título de seguridade social, para que a roda do consumo continue girando. Isso pelo menos até a adaptação de todos à nova realidade.
Toda a comunidade médica será reduzida a tolos de avental branco, debruçados sobre intrincadas moléstias, enquanto múltiplas máquinas de inteligência artificial de Moska cruzam milhões de informações em frações de segundo, gerando diagnósticos com precisão próxima de 100%.
Assim será com médicos e também com advogados, contadores, administradores, jornalistas, publicitários, engenheiros, estatísticos e malabaristas de semáforo. A base da pirâmide, dos trabalhos braçais e tarefas repetitivas, serão os primeiros na escala de extinção.
Moska dominará um vasto e crescente império de neurônios de silício, mas teme um tiro no pé. Sem trabalho não há renda, sem renda não há consumo, sem consumo não há razão para querer ser tão poderoso.
Otimistas com raciocínio e ingenuidade de Poliana argumentam que a abolição de quase toda a atividade produtiva fará nascer novas e ainda desconhecidas ocupações, que darão conta de absorver as hordas de neo-desempregados. Moska sabe que não será assim. Moska reconhece o salto no penhasco em que se meteu. Moska tem consciência de que a cada 10 empregos perdidos, talvez um seja gerado. Talvez. Será preciso cada vez menos gente para fazer cada vez mais coisas – de forma mais rápida e melhor.
Agora, dizem que ele cismou de querer rebatizar a Terra. Já passou a missão para sua IA generativa de estimação, não sem antes orientá-la de que o novo nome do mundo deverá ter a letra “X” em algum lugar.
Esta é uma obra de ficção
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terça-feira, 17 de outubro de 2023
COADJUVANTES DA HISTÓRIA - EPISÓDIO 6
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábia
O 14 Bis
I
- Quem foi que encomendou a pintura, Pierre?
- O rapaz brasileiro, de bigode e chapelão, sabe aquele meio maluco? Um que usa relógio amarrado no pulso. Então, foi ele.
- Ah, lembrei, sei quem é. Tem certeza que é esse bagulho mesmo que é pra pintar? Sei não… e o texto é somente isso aqui, “14 Bis”?
- Tô te falando, é só isso. Dois minutos e a gente termina tudo. Ele pediu em tinta preta.
II
- O “4” aí do “14” tá torto. Parece que bebe, faz o “4” direito, retinho. Acordou com a mão boba?
- Mas você é chato heim, meu? Que diferença faz? Se a ideia do homem é botar essa geringonça pra voar, ele vai lá pra cima e ninguém vai reparar se o “4” tá torto ou não.
- Usa uma régua, é melhor. O bichão pode voar alto, mas quem aprova o serviço vai olhar aqui embaixo, com a traquitana desligada. Ouvi dizer que o Santos Dumont é exigente, sujeito meio sistemático.
- Quer saber? Esse negócio aqui vai voar de qualquer jeito, querendo ou não querendo. Olha como é leve, todinho de bambu e papel de seda, é só dar um pé de vento que sai voando. Queria ver se fosse pesadão, tipo um 747, entende?
III
- Esse Dumont é um sujeito esquisito mesmo.
- Por que tá dizendo isso?
- Dizem que ele vai dando nome, ou melhor, dando número, conforme as tentativas de levantar voo que ele faz. Deve ser a décima-quarta, né?
- Nada, tá na décima-quinta. Não é 14 Bis, o nome? Então, é um depois do 14.
- Não faz sentido. Por que não batizou de 15 de uma vez?
- Sei lá, pergunta pra ele. Vai ver que o “Bis” é merchandising daquele chocolate, sabe? Da Lacta.
- Imagina… se fosse merchan eles iriam colocar o logo, coisa profissional, de gente grande. Não iam chamar pintor de faixa, uns mané-quarqué, que nem nós dois, pra fazer o serviço! Presta atenção!
- De repente esse 14 era igualzinho ao outro que ele fez antes, é tal e qual e ele vai tentar de novo.
- É, aí pode ser, sim. Uma réprica, né.
- É réplica que fala.
- Cuida aí do seu serviço que eu cuido do meu. Eu termino de pintar o “14”, depois a gente deixa secar e você completa com o “Bis”. Fechou?
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sexta-feira, 1 de setembro de 2023
PARADISE MOTEL
autor(a): Marcelo Pirajá Sguassábia
- Suíte Master, por favor.
- Tá tudo ocupada.
- Oi??? Motel lotado na segunda, duas e quinze da tarde?
- Olha, ainda dá tempo de se arrepender. O senhor tem memo certeza que vai fazer esse monte de coisa feia, que tão aí na sua cabeça, com essa filha do Criador?
- Como é que é????
- É isso memo o que o senhor escutou, não se faz de surdo não.
- Espera lá, minha senhora, isso aqui é motel ou é igreja?
- Então… é que o pastor falou assim pra eu me infril… infil...insfril… pra eu me in – fil - trá aqui no motel, que é um antro de perdição, pra trazê de vorta os carnero perdido do rebanho. Não dianta nada ficar rezando, quieto, sem tentação perto e rodeado de vela… não é desse jeito que a gente faz o trabalho missionário. Tem que ir aonde o coisa ruim tá aprontando. Convertê é difícil, moço. Eu quase que tô desistindo, pra te falar a verdade verdadeira.
- Vixi...
- Tô aqui pra ajudar a livrar os homem do inferno. Os homem e as mulher, né memo? Que nós lá na seita não faz distinção de genro.
- De gênero, você quer dizer…
- De genro, de nora, de sobrinha, enteado, compadre, cunhado, tudo nóis.
- Ai, ai, ai… quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece.
- Olha, rezar é uma coisa que o senhor não faz memo. Essa sua cara de Barrabás não me engana. E eu não sou sombração não senhor, sou é salvação. Tô aqui a serviço do céu, se quer sabê.
- Mas não está lá escrito que é pra gente crescer e se multiplicar?
- É, tá lá sim.
- Então, deixa eu fazer a coisa certa...
- O senhor tem razão, mas é pra cuidá das multiplicação dendicasa, depois de casadinho no papel passado, com a luz apagada e debaixo das coberta, que é pra não ver as parte baixa um do outro, compreende? E não vem o senhor me dizer que a mocinha aí é sua patroa e vocês tá aqui pra comemorar o aniversário de casório. Aí vão sê dois pecado – fornicação e mentira!
- Eu vou chamar o gerente!
- Já não bastava as novela cheia de vadiação, os recrame de TV só vendendo porcaria, agora tem tamem essa tal de infernet. Acho até que foi lá que o senhor viu as propaganda desse motel aqui, né memo?
- Bingo!
- Tem um do outro lado da rua. E tem gente nossa na porta, tamem.
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quinta-feira, 31 de agosto de 2023
43. Palavras esparsas numa tarde de sábado.
autor(a): PastorElli
Vibram pedras silenciosas
O dia-a-dia é monótono
Nos trilhos das vidas correm
Mortes anunciadas
Agonizam prazeres nas esquinas
Vozes veladas anunciam
Sinistros passos entorpecidos
Lápides guardam vida
O som trinca almas
Em acordes dissonantes
A harmonia constrói vidas