Que se perde
Que se ganha
Que se eleva
Que se degrada
Que se modifica
Destruindo o tudo
Construindo o nada
Que na palma da mão
Cresce a rosa
Que ofereço a ti
Somente
Que se perde
Que se ganha
Que se eleva
Que se degrada
Que se modifica
Destruindo o tudo
Construindo o nada
Que na palma da mão
Cresce a rosa
Que ofereço a ti
Somente
14 anos. 503 banhos. 78 tosas e 78 gravatinhas arrancadas ao sair do pet shop. 224 quilos de Biscrok. 1.078.391 chorinhos manhosos pedindo carinho no barrigão. 397 motoqueiros que pensaram duas vezes antes de passar de novo em frente de casa. 4 espetaculares escapadas. 91 ossinhos de borracha completamente estraçalhados. 76 sacos de lixo abertos e revirados. 3.290 passeios pelo bairro. Média de 3 “Que fofo!” ao longo de cada um deles. 419 caminhadas caprichadas aos domingos. 5 rodadinhas regulamentares antes de agachar para o cocozinho. 16 pés de cadeira roídos nas 3 primeiras noites. 2 coleiras. 612 fotos. 218 vídeos. 53.444 massagens atrás da orelha, seu afago predileto. 4 ou 5 (se tanto) broncas do tipo “Mas olha só o que você fez!”. 292.909 saltos pra pegar bolinha. 2 estadias em hotelzinho. 34 arranhões na porta, querendo entrar com medo dos trovões. 13 natais roubando a cena com olhares pidonchos, louco por um naco do tender da ceia. 36 xixis na (nossa) cama. 27 buracos cavados no jardim. 1 buraco, aberto pra sempre, no coração da gente.
POOPIN, ESTA PESSOINHA.
Conosco desde Julho de 2008.
Com São Francisco desde Abril de 2022.
Pouca gente sabe, mas o fato é que uma reles caneca de cerâmica é dos xodós mais estimados do Vladi, um dos homens mais poderosos do planeta.
Onde quer que esteja, onde seja o evento ou reunião oficial, lá está o copo térmico com o brasão russo ao lado do desalmado dono. E a estima vem de longe, da mais tenra infância para falar a verdade. Conterrâneos de São Petersburgo juram de pés juntos que ela já fazia parte da lancheira usada na Escolinha Pimpolhov Novinsky, estabelecimento onde o estadista teve contato com as primeiras letras.
Alguns anos mais tarde, o pequeno Vladimir se divertia a valer misturando na caneca amoníaco e laxante para produzir quantidades industriais de "sangue do diabo", a ser entornado nos uniformes escolares dos colegas. Melhor dizendo: das colegas, preferencialmente na altura dos seios.
Na adolescência, o "sangue do diabo" deu lugar à excelente vodka russa, sendo este o líquido mais assíduo no recipiente daí em diante – nos anos de faculdade, passando pelos tempos de KGB e chegando à carreira política.
Bastante conhecida pelas milhares de fotos em que o dono a empunha, o astuto Vladimir teve a ideia de encomendar uma réplica da caneca para ser utilizada nos eventos públicos e diplomáticos. Contendo bebida alcoólica e deixada providencialmente ao lado do dono, servia de isca para possíveis tentativas de envenenamento. Já a original ficava escondida no bolso do sobretudo, abastecida regular e reservadamente com líquidos de primeiríssima qualidade por seus asseclas de confiança.
É sabido que a mítica caneca, nos últimos meses, anda permanentemente cheia de um líquido vermelho e viscoso, que jorra com abundância em um país vizinho à Rússia. E deste líquido, ao que parece, Vladimir se farta dia e noite. Lambendo os beiços, dá a entender que quer mais. Muito mais.
Esta é uma obra de ficção
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Imagem: Shopee
Não com os olhos
Vejo você
Não com paixão
Vejo você
Com a chama fálica
Do meu coração
Ainda estava por nascer o cara que iria flagrá-lo trocando o certo pelo duvidoso. Melhor dizendo, "tocando" o duvidoso no lugar do certo.
O Concerto número 2 para piano e orquestra de Rachmaninov e o número 1, em mi menor, de Chopin, o Atanagildo assobiava, nota por nota, do início ao fim. Os três movimentos de cada um deles, tão familiares quanto a unha encravada que tinha desde menino. Achava de melhor proveito e de maior prazer ouvir "Starman" pela 593ª vez do que arriscar um rolê no Spotify para conferir o que andava bombando em ouvidos ianques semana passada.
A duração da vida era inversamente proporcional à oferta de músicas para embalá-la, pensava o Atanagildo. Não se conformava com a montanha de tempo, gasto e não reaproveitável, na audição de porcaria. Abrindo zilhões de ostras estragadas em busca de uma improvável pérola.
Para chegar aos seus exigentes ouvidos, era preciso perfurar um grosso escudo anti-mau gosto. Sim, esse meu amigo era um verdadeiro mata-burro sonoro. Se algo novo e bom surgisse, qualquer coisa diferente que realmente valesse a atenção investida, mais cedo ou mais tarde ele tomaria conhecimento de alguma forma. Assim, não se preocupava e seguia fiel a seus clássicos. Deixando que o tempo fizesse, lentamente, sua seleção natural.
Foi assim que teve o prazer de nunca ouvir Pablo Vitar. Que negou-se a dar uma chance a um obscuro quarteto de Rostropovitch para cair nos braços sempre abertos da Pastoral de Beethoven. Que encomendou uma dúzia de missas em ação de graças, por ter escapado ileso de uma bomba sertaneja que passou de raspão nele, ao descer de um trem de metrô na Estação da Luz.
Esta é uma obra de ficção
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As chamas rasgam
Meus passos pela cidade
No peito a ferida
Sangra pus lamacento
Marcando meus pés
Com sangrentas marcas
Da minha individualidade
Escondo-me nos bares
Onde a cada dia
Bebo o fel
No meu copo diário
Mal range a porta de entrada e cai uma aranha do lustre, ali teimando, dependurada no vácuo dos anos. Dois gritos de desespero da sinhá primeira, a matriarca de gerações tantas, e eram quase uivos os lamentos da coitada.
Raspando com a unha, vê-se que sem conta foram as demãos de cal, todas de incertas datas e tons sortidos. Demãos que, descobertas, não esquecem mas também não trazem de volta o que presenciaram, desde o início do ciclo da cana.
Cinquenta e seis vergonhas escabrosas varridas para debaixo do tapete persa da sala de visitas. Alinhados, os retratos a óleo dos barões e sinhozinhos, alternando com armas, um chifre de veado e o velho espelho encabeçado pelo brasão da família.
Mais uns passos pelo extenso assoalhado e se chega ao oratório, com o terço benzido por Pio IX, um cálice de igreja do tempo das Bandeiras e o Santo Antonio em gesso e de túnica desbotada – tantos foram os banhos de lágrimas em loucos pedidos de graças.
Cinzas de assados e vestígios de sangue, no borbulho de compotas. A cozinha, indústria de ervas e tripas. Traços de esperma incrustados entre um azulejo português e outro sugerem a devassidão de sei lá quem, flagrado em pecado mortal.
Esta é uma obra de ficção
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