quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

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Em defesa à alquimia literária - Jorge Xerxes

Carta ao pulcro poeta


Caro Xerxes,

Você sabe que a proposição inversa dos teus escritos agride, invariavelmente, as plantas submersas no oceano Pacífico. Mas a que custo? Quando as asas bateram para longe e seria possível ascender às estrelas, por que Você não foi? Xerxes, eu sou a possibilidade que Você não realizou. O teu oposto nas idéias e no cotidiano dos dias. Sua mente degenerada mais parece um motor velho. Desses que consome bastante gasolina. Enquanto Você passa os dias escrevendo, cá estou eu a beber as garrafas pelas avenidas dos bares afora. Phoda-se Xerxes! Você perdeu. E perdi eu. Por que eu sou Você. Mas Você não sou eu.

Jacinto,

Escrito às horas de agora, anos depois de Cristo.


Em defesa à alquimia literária

Estimado Jacinto,

A tua garrafa está cheia até a telha de um destilado ruim e barato. Faz com que enxergue um cenário opaco e distorcido através do vasilhame que – dada a tua incapacidade de transcendência – imagina puro; cristalino; quiçá, libertador. Por isso não o recrimino pela crítica que ora me dirige; ao contrário agradeço por ter sido objeto de atenção nalgum momento de tua pífia existência. Isto é antes motivo de orgulho; regozijo para a alma clara; cansada de vagar desapercebida às trevas da infinita Terra.

Antes de discorrer em minha defesa, rogo ao meu Santo forte a capacidade de fazê-lo à altura de uma ambição desmedida – enorme a energia empregada no trabalho antigo, simples, natural. Trilho no qual tantas locomotivas já descarrilaram, que é coisa de meter medo. Mas não me acanho. Pratico o exercício do salto entre os abismos pelas próprias pernas.

Abandona, então, a sisudez dos números para as artes práticas das idéias. Faz de conta de um artesão das palavras. Ofício que é ao mesmo tempo nobre e pobre; posto que não há de servir de alimento para o corpo (ou de sustento ao indivíduo); mas de elevação da alma – tão longe quanto ela possa ir. Deixa, que eu te levo.

Escrever é a expulsão de uma dor absoluta. A nossa Terra tem inúmeras frestas para magníficas vistas: mas quão efêmeras! Todo resto é a mazela humana. Lama da qual o trabalhador lentamente vai se despojando. Fica registrado o anseio infinito, que de tanto querer, um dia depois do outro, é da matéria pensante que o futuro se molda.

A frase reverbera aos ouvidos do surdo que lê. A palavra sensibiliza a retina do cego que ouve. A estória da estranha melodia entoada pelo coral de mudos – por mais breve que seja o instante. Não terá sido vão o esforço. Pode ser ainda difícil a compreensão para aquele que tem os sentidos entorpecidos pela abundância (vê, ouve, fala). Mas não faça de desentendido. Assim como o ignorante ri da boa piada, há de chorar o insensato a sua lascívia.

Pega então tua garrafa (agora vazia). Bota dentro dela um barco, uma caravela. Deixa soprar o vento na vela. Põe isso na tua cabeça. Antes que seja tarde.

Jorge Xerxes,

Escrito aos dias de hoje.

2 comentários

Parreira

Gostei muito da imagem da caravela dentro da garrafa. Vivo fazendo isso, também enfiando garrafas dentro da cabeça, embutindo de sonhos os pesadelos da vida real. Antes qaue seja tarde, oras!

fernando oliveira

Xerxes e Parreira a culpa não vem da rolha, mas de detrás. se seguirmos a pista chegamos a D. João VI, o frangueiro e vinhateiro. Agora não é por causa duma asa defeituosa que se suspendem voos - com ou sem chapéu - O problema pode advir da "parreira" mas o enforcamento agora é proibido. é a terra que descobre as Caravelas, amigos... muita gente pôe a roupa de avessas, mas pouca destroca em miúdos o problema das horas. O que fazer no intervalo da vida!...