Os tradicionalistas preferem às quartas e aos sábados, mas para nós
domingo é o dia da feijoada.
À mesa estão papai, vovô, vovó, o tio e a tia e eu. Quando mamãe
traz o jarro de caipirinha, a emoção ferve em nossas veias: servimo-nos de
um copo cada um e esperamos pelo discurso de vovô, que é o mais velho
da família. Ele se levanta com a ajuda da bengala e dispara meia dúzia de
palavras em sua língua materna, incompreensível para nós. Acabado o
discurso, a tia aproveita a ocasião e nos obriga a rezar. Vovô, que é
anarquista, permanece de costas.
Após essas cerimônias introdutórias, aguardamos apenas pelo apito de
papai, que nos autoriza a começar o massacre efetivamente. Quando o
silvo do apito soa em nossos ouvidos, a família e as relações familiares se
dissolvem em nome do barbarismo: avançamos sobre o caldeirão como
verdadeiros animais, laranjas voam por toda a extensão da mesa, a couve
picadinha se transforma em serpentina, os rabos e os pés-de-porco pulam e
se mexem como se ainda estivessem vivos. Em menos de dez minutos a
mesa já é um território devastado, mas o almoço só termina de fato
quando o último dos arrotos sonoros perde a intensidade. Depois disso nos
retiramos, graves e solenes como se não nos conhecêssemos, cada um
escondendo do outro o mal-estar e os frascos de sal de fruta.
domingo é o dia da feijoada.
À mesa estão papai, vovô, vovó, o tio e a tia e eu. Quando mamãe
traz o jarro de caipirinha, a emoção ferve em nossas veias: servimo-nos de
um copo cada um e esperamos pelo discurso de vovô, que é o mais velho
da família. Ele se levanta com a ajuda da bengala e dispara meia dúzia de
palavras em sua língua materna, incompreensível para nós. Acabado o
discurso, a tia aproveita a ocasião e nos obriga a rezar. Vovô, que é
anarquista, permanece de costas.
Após essas cerimônias introdutórias, aguardamos apenas pelo apito de
papai, que nos autoriza a começar o massacre efetivamente. Quando o
silvo do apito soa em nossos ouvidos, a família e as relações familiares se
dissolvem em nome do barbarismo: avançamos sobre o caldeirão como
verdadeiros animais, laranjas voam por toda a extensão da mesa, a couve
picadinha se transforma em serpentina, os rabos e os pés-de-porco pulam e
se mexem como se ainda estivessem vivos. Em menos de dez minutos a
mesa já é um território devastado, mas o almoço só termina de fato
quando o último dos arrotos sonoros perde a intensidade. Depois disso nos
retiramos, graves e solenes como se não nos conhecêssemos, cada um
escondendo do outro o mal-estar e os frascos de sal de fruta.
1 Comentário
Imagino quando chegarem ao sanitário.
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