- o fim da solidão
Na casa deserta as paredes caladas.
A cama se lamenta.
A mesa quer sentar.
As cadeiras cruzam as pernas fumam cigarros pro tempo
passar.
O silêncio escuta o vazio.
Quando Filó chega, a solidão sorri e se acaba.
- definições
Quando quer definir beleza, Filó diz rosa.
Quando quer definir frescor, Filó diz orvalho.
Quando quer definir perfeição, Filó diz jardim.
Quando quer definir Deus, vida amor – quando quer definir
mundo, Filó diz simplesmente quintal.
- pesadelos
Logo de manhã, antes mesmo do primeiro sol, do primeiro
pássaro, o maldito despertador digital que fica ao lado da cama de
Filó põe a boca no mundo e assopra feito um tarado as sete
trombetas do apocalipse.
Arrancado da cama à força, com os restos da noite ainda
escorrendo dos olhos, Filó confirma mais uma vez que os pesadelos
de verdade a gente não tem quando dorme, mas sim quando
acorda.
- filosóficas II
- dizem que o homem que acorda cedo vive mais
pra mim, o homem que acorda cedo dorme menos
- argirópola polá
A mulher de pernas grossas e bonitas, que brotam da minissaia
feito duas colunas de mármore, caminha tranqüila entre a
multidão. Apenas seus olhos grandes e agitados denunciam as suas
reais intenções: ela procura.
Entre a multidão a mulher caminha, tranqüila, como já foi
dito. Tanta gente, tantas caras, nenhum nome. Encontrar alguém
no meio dessa bagunça – a velha história da agulha no palheiro.
Mas o destino, pelo menos aqui trabalha a favor: numa banca de
jornais, olhando as manchetes, ela avista aquele que pode ser o
homem da sua vida: Filó. Sem nada a perder, ela vai direto ao
assunto:
- Argirópola Polá. Prazer!
Assim, logo de cara, o que Filó enxerga é o susto encarnado:
mulherão desses, falando comigo? Prazer ainda? não, não pode,
não pode ser!
Argirópola Polá – ela repete. – Prazer, viu?
Filó vê, isso sim, as pernas da mulher, as grossas colunas que
brotam da minissaia. E pensa: E agora? É comigo mesmo!
- Cê num fala não, bonitão? – ela insiste.
Falo, falo sim – é o que Filó pensa, mas não fala. Falo que
você é a mulher mais bonita do mundo, do universo todo, meu
coração por ti gela de tanto calor, minha deusa de sol, musa de
pernas cavalares...
- Cê num gostou de mim – Argirópola se lamenta. – É isso.
Gostei, gostei sim, é claro que gostei, pensa Filó. Gostei
demais.
Cansada de insistir, de querer tirar leite de pedra, Argirópola
Póla gira nos calcanhares com dignidade e se manda, se mete
outra vez na multidão, os olhos grandes e agitados novamente a
procurar. E aquele que poderia ser o homem da sua vida, Filó,
tarde demais destrava a língua:
- Filobônio Filó! Prazer, prazer também!
- a vida natural
Filó, da janela, observa a rua à sua frente. Congestionada,
como sempre, entupida de carros. Todas as manhãs a mesma
coisa, todas as tardes. Os prédios, então, enormes e escurecidos
pela fumaça, escondem o céu. Filó, apesar de gostar muito da
cidade, já se sente cansado de tanto caos. Precisa de novos ares –
ares puros, de preferência. Uma temporada no interior até que
não seria má idéia.
Dentro de um ônibus, Filó em direção ao interior. Vai
imaginando, antecipando, viajando dentro da viagem: como serão
as vacas ao vivo, os cavalos? E o boi, como será o boi de pé? A vida
natural, será mesmo tão saudável quanto dizem?
Envolvido por esses e outros pensamentos, Filó adormece.
Adormece e sonha com cachoeiras e matas, com ar fresco e céu
azul. E assim permanece por horas, dormindo e sonhando com o
mundo ideal, até o momento da chegada.
A cidade que o recebe, porém, pouco se diferencia da sua.
Nela também estão presentes os prédios e os congestionamentos, a
fumaça escurece o céu e o barulho dos grandes centros ocupa os
espaços vazios. Filó, decepcionado com a surpresa, pergunta a um
passante:
- Aqui não é o interior? O que aconteceu?
O homem, um idoso que ainda conserva na cabeça um chapéu
de palha igualmente velho, responde apenas:
- É o pogresso.
Filó pega outro ônibus, volta pra casa. Em suas mãos, uma
revista rural. Nas páginas coloridas, vacas e vacas e vacas. Só
podem ser modelos, pensa Filó com desdém. Isso não existe mais.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
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FILOBÔNIO FILÓ - parte 03
autor(a): Parreira
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