segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Na face uma lágrima - Graça Filadelfo


Bem cedo ela já está no ponto. Todo dia é assim na vida de Cremilda. Salta da cama antes do galo cantar, lá pelas bandas de Periperi, Subúrbio Ferroviário de Salvador. Precisa pegar o ônibus logo para não chegar atrasada ao trabalho, às sete.

Então o ritual é rápido. Água no rosto, alguns goles de café, a roupa surrada. Sem um beijo no filho de nove meses, sai às pressas, quase voando, para não perder o ônibus que deixa o bairro às seis. Por sorte acha um lugar para sentar.

Cinco minutos depois, o velho coletivo dá a partida. Saculeja pra lá, saculeja prá cá. Nesse embalo, Cremilda cochila. É um jeito de compensar a noide mal dormida, cheia de preocupações com o marido, desempregado, e o fututo do bebê. Até a Graça, endereço do trabalho, a viagem dura geralmente quase uma hora.

Nunca a doméstica chega depois da hora combinada. Porém naquela última quinta-feira de agosto não dá para marcar o ponto. Ainda na Suburbana, o pneu traseiro direito do ônibus fura. E o motorista põe o pé no freio. A doméstica, que sonhava amamentando o filho, acorda assustada e se dá conta da situação.

O socorro mecânico demora e Cremilda se transforma no próprio desespero. "Vou levar bronca. Dona Emília não vai acreditar que o pneu do ônibus furou", pensa alto a jovem, 29 anos, morando de aluguel numa casa de apenas três cômodos. Tenta usar o celular, mas o aparelho está descarregado. Pede emprestado o da vizinha de cadeira, mas não tem crédito.

Só às sete e cinquenta o pneu é trocado e o "buzu" retoma a viagem. Às oito e meia, finalmente, buzina no apartamento do 15º andar. Não tem ninguém na casa da patroa. No outro dia, ao chegar pontualmente às sete conta a história. É demitida. Na face uma lágrima...

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