sexta-feira, 30 de abril de 2010

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O HOMEM E A CIDADE - Noélio A. de Mello




Há tempos não andava pelas ruas do centro comercial da nossa cidade. Por necessidade profissional esta semana fui obrigado a caminhar pelas velhas ruas de uma Belém que o tempo quase me fez esquecer. Aproveitei para tentar descobrir se ainda existia o prédio onde por um longo tempo minha família teve uma grande loja comercial.Encontrei-o desfigurado. Suas portas largas, elegantes, transformaram-se numa loja de roupas de todas as cores, de todos os tipos, prontas para todos os gostos.


Fiquei parado numa esquina sonhando com uma época que jamais retornará. Identifiquei alguns comerciantes daquela época. Revi, de longe, homens e mulheres que o tempo e as desesperanças murcharam. Eram apenas uns saldos precários de primavera transformados em inverno. Não foi preciso consultar-lhe os corações para saber que a floração findara e suas raízes vacilaram no solo. Retratavam a vida tal como ela é: a pressa da beleza, a ilusão da juventude, a efemeridade da vida.

Naquele momento tive a certeza que as cidades se eternizam e remoçam modeladas e remodeladas pela mão do homem e o homem nelas transita como um meteoro que risca o espaço e desaparece traumatizado pele busca incessante da felicidade, pelos sofrimentos e pelas incertezas do amanhã.

Aquele momento me confidenciou que as cidades apenas modificam suas paisagens e só morrem nos ângulos das necrópoles, onde o homem dispõe de alguns palmos para descansar de sua jornada terrena. E homem e cidade se confundem e se separam no tempo e no espaço. Estas se perpetuam com suas paisagens de cimento, de pedra, indiferentes ao sol, a luz das estrelas, aos riscos do luar. O Homem tomba a cabeça para o lado e vira uma incurável saudade para os corações dos que aqui permanecem, escrevendo, dessa maneira, a história da vida e do tempo.

Fiquei parado naquela esquina por um bom espaço de minutos. Fiquei pensando nas horas calmas do passado. O transito intenso me fez retornar ao presente, tudo mostrando uma aparência de vida jovem, apressada, dentro da qual o homem representa o próprio passado, que reunindo as ultimas energias terão que as usar todas para acompanhar o ritmo estafante de nossos dias exigentes, devoradores de nossas esperanças, de muitos de nossos sonhos.

Estático, fiquei a examinar a fisionomia de todas as pessoas que quase exibindo suas almas inquietas, caminhavam ligeiras e com o subconsciente ocupado pelos problemas pessoais rompiam a massa que vai e vem, naquelas idas e vindas de braços e pernas em movimento, de olhares atentos para os perigos que lhe rondam outros passos acelerados.

Foi impossível não pensar nas ruas serenas de antigamente. Todas carregavam o perfume de um romantismo que os maus ventos da modernidade, da aflição, da pressa sem medidas levaram para eternalizar o fim de todas as histórias encantadas que esse pedaço da cidade viveu em profusão.

Caminhei lentamente tentando me afastar daquela confusão de almas e fui lembrando das poesias do tempo, que descendo suaves das luzes dos postes de ferro, ficavam a iluminar os romances dos começos de noite e se espreguiçavam macias pelas pedras envernizadas por onde desfilavam passos calmos, sem medo, sem pressa, sem fugir de momentos angustiantes, sem o temor de serem alcançados pelos dardos desatinados que hoje vem da retaguarda.

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