Urda Alice Klueger.
- Para meu primo, Jorge Luiz Klueger, e para o Deoclides -
Eu estudava na antiga Escola São José, na Garcia, em Blumenau/SC, e ela se situava na Rua-Tronco do meu bairro. Eu morava na Antonio Zendron, uma rua lateral da Rua-Tronco, e que entrava por um vale poucos metros antes do Quartel do Exército, o 23º Batalhão de Infantaria. Pela lembrança que tenho, naquele dia as aulas foram suspensas mais cedo, e houve um tempinho para flanar pelo caminho. Só que cheguei no entroncamento da minha rua, e acho que foi o meu primo Jorge Klueger quem disse:
- A Rua está fechada ali no quartel. Não passa ninguém pra lá nem para cá.
Claro que criança com tempo não podia perder a oportunidade de ver um acontecimento daqueles, ainda mais que nem sabíamos o que estava acontecendo – e andei mais uns metros, e realmente a rua estava fechada na frente do quartel, cheia de soldados de poderosas armas nas mãos, e tudo aquilo era muito excitante ... até que meu mundo ruiu: lá do outro lado, no meio do pessoal que não podia passar para cá, que não podia voltar para casa, segurando a sua bicicleta, estava o meu pai. E o pior: nem ele podia voltar para casa, NEM EU PODIA IR ATÉ LÁ E SUBIR NA BICICLETA DELE! Nunca acontecera nada parecido nas nossas vidas, e então alguém por ali falou pela primeira vez a palavra “Revolução”, que foi a que nos impingiram para disfarçar as palavras “Golpe Militar” e “Ditadura”, e então eu soube o que estava acontecendo: aquilo era uma Revolução! A gente não poder mais chegar perto do pai da gente fazia parte de uma revolução, e, afinal, ela viera, tão anunciada fora, principalmente pela Igreja, dominicalmente pelos nossos padres locais, e diariamente pela Rádio Aparecida, que era mais ou menos a Rede Globo daquela época. Estávamos a 31 de Março de 1964, o que, nas minhas contas, está fazendo 46 anos!46 anos, e como me lembro! Eu era bem pequena para guardar tantos dados, mas até hoje sei que no Rio Grande do Sul havia o 5º Exército, que não estava gostando muito da coisa do golpe que acontecia, e que era necessário que toda a nossa rapaziada do 23 BI se fosse para o sul, para enfrentar o tal 5º Exército. E lá se foram eles, ainda com muitas mulas puxando cozinhas portáteis e outras coisas, pois o progresso já chegara a ponto de os soldados, mesmo, irem para a “revolução” amontoados em cima de caminhões. (Ah! As mulas do 23 BI! Um dia conto sobre elas!)
Naquele primeiro dia acabei indo para casa com meu primo Jorge Klueger, mas nos dias que se seguiram, quanto choro rolou na maioria das casas do meu bairro, por causa dos rapazes que tinham ido para a “revolução”! A verdade é que não se disparou um tiro, e todos os rapazes voltaram com vida e saúde, e houve um dia em que colhemos todos as flores do nosso farto jardim, e fomos para a cidade esperar a volta dos soldados. Todos os moradores de Blumenau pareciam estar lá com seus jardins nos braços, e quando os soldados chegaram, já tinham passado em outras cidades primeiro e já vinham cobertos de flores, nos bonés, nos bolsos, nas armas, e quase não havia como enfiar mais flores sobre eles. Eu e minha família ficamos na marquise do Edifício Visconde de Mauá, na Rua XV, em Blumenau, despetalando flores para jogar neles, e eu estava chorando de emoção porque um soldado de quem gostava muito, o Deoclides, havia voltado vivo!
E a gente achou que as coisas estavam resolvidas. Como éramos ingênuos! Mal começava o longo período sob a bota do imperialismo internacional, dirigidos por pequenos militares sem nenhuma capacidade política (andei lendo, recentemente, livro estarrecedor sobre o assunto), período em que os amigos da gente sumiam e eram torturados ou tinham que cair na clandestinidade e ir viver em outros países, e onde até o meu querido professor de Português, Evaldo Trierweiler, que dizia umas verdades sobre justiça social nas salas de aula, teve que amargar a bota e o interrogarório dos “revolucionários”, lá num navio, em Itajaí.
Arghhhh! E quanto tempo eu demorei para entender o que pude!
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