segunda-feira, 31 de maio de 2010

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EM FAMÍLIA - Capítulo 08


VIII – PENÉLOPE

As pessoas normais montam quebra-cabeças, colecionam selos,
apostam na Bolsa de Valores. Mas o que dizer de um homem que se julga
capaz de construir uma caravela em tamanho natural no sótão da própria
casa?
Esse é o novo passatempo do tio. Se fosse vovô o autor da façanha,
poderíamos ainda lhe dar um desconto. Mas o responsável é o tio, e
quando ele mete uma coisa na cabeça...
Tudo começou com os livros de História. Ávido pesquisador dos
descobrimentos, pouco a pouco ele foi se rendendo aos encantos das
caravelas, aquelas naves enlouquecidas. Isso foi o bastante para
contaminar a casa com datas e lições fora de hora, palestras e
especulações sem propósito. Em longas discussões com papai, antigo
apreciador da Odisséia, o tio expunha sempre o seu delirante e
preconceituoso ponto de vista:
– Você não pode reescrever a Odisséia porque lhe falta o talento de
Homero. Mas eu sou talentoso o suficiente para reconstruir uma caravela.
Papai, talvez ofendido, duvidou da afirmação. É por isso que temos
agora um tio construindo uma caravela no sótão.
Sob os olhares estarrecidos da família e da vizinhança, o tio ocupa os
seus dias entre mapas e projetos, planos de navegação e reproduções. Sua
tão propalada caravela, porém, só cresce em pleno dia. Um ser misterioso
desfaz todo o trabalho durante e noite, e papai, cínico dos melhores, diz
que ele pode muito bem se chamar Penélope.

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