Levantou-se mais cedo como quem acorda no susto. Coração em ritmo de locomotiva desvairada e os olhos pasmos. Era aquele velho sonho agônico... O velho sonho o acordara novamente esbanjando-o interrogações sobre o amor quase bem sucedido que tivera com Eleanora. “Por quê?”, perguntava-se lastimoso e amiúde.
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Desejos, planos, frases adocicadas e embebidas de amor... Via mais uma vez sua nau de felicidade naufragar na branca manhã cinzenta que se aviventava mais e mais sob cada suspiro de suas lembranças – branca manhã cinzenta, como poderia? Ora, naquele instante a tez de sua manhã pertencia às cores mais desalentadoras possíveis, um vasto arco-íris brumoso.
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Tão logo foi ao quintal sentar-se em frente ao floral que cultivava há anos. Acendeu seu cigarro matinal e ficou ali estático e reflexivo, e num ritmo vagaroso dava uma pitada e outra – sempre era assim quando acordava com o coração tempestuoso, ia logo encher os olhos com aquelas flores carmesins vívidas, que aos ouvidos de Alberto não diziam nada, mas inundavam seus pensamentos, de pensamentos antigos, de enlevos antigos, de sorrisos antigos... enfim, de contentamentos luminosos em brusco-intenso saboreados com Eleanora. Um fio de lágrima atravessava a manhã e resvalava por seu rosto...
Imprecisão, inexatidão, dispersão... era isso, algumas palavras que podiam decifrar aquele instante febril que um sonho remetendo-o a lembranças o fez despertar.
Ficou algum tempo ali examinando as flores, que decerto serviam de espelho para refletir o semblante de sua amada. Ah!... essas flores! Tão belas e tão aparentemente eternas. Induráveis. Mesmo elas refletindo Eleanora e trazendo momentos escuros de uma separação que ele não queria mais reconhecer, as flores eram as únicas que podiam apaziguá-lo. Que antítese! Apaziguação e tormento em frente ao floral. Que manhã aquela!
O cigarro ia se findando. Relógio parado. Esperava as horas passarem ao seu lado rotineiramente, simplesmente.
Três flores então caíram quebrando-lhe o pensamento hipnotizado. Os olhos ficaram em confusão!... Fitou-as melhor e o floral, percebeu que por entre os ramos um botão já estava prestes a explodir vida... E ele caiu também... ...na terrível e clara conclusão de que o amor era como o ciclo da flor: se uma fenece outra vem mais imensa e carmesim de amor, florescendo inesperada, a dar-lhe desmesuradas alegrias até o fim de algum dia. Ai!... esse amor às flores: uma certeira dor predestinada.
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Ergueu-se, espreguiçou-se... Guiou-se até o chão próximo ao floral – com uma feição mais branda, porém com o perfume da lembrança ainda presente –, recolheu as três flores fenecidas e as jogou para o além... na memória também... Foi aguar as plantas.
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(Imagem: idem)
1 Comentário
Pablo,
Conto Sublime, Vivo, Sentido...
Belíssimo!
Um Grande Abraço, Jorge X
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