quinta-feira, 27 de maio de 2010

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Jorge Xerxes - A revolução dos matutos




A noite cai, e com ela todo um leque de possibilidades agrestes. As luzes de velhas estrelas a povoarem timidamente o céu. Nessa noite, em particular, a lua, cheia, é o astro da vez. Grilos – aos montes – entoam cânticos, e os sapos são os répteis a marcarem o ritmo alucinante da dança iridescente de vaga-lumes. Uma noite assim está fadada aos cataclismos.

O terreiro enevoado pela bruma. As aves em seus poleiros: se fazem de cegas, de surdas, de sonsas. Medo que lhes arranquem as cabeças às dentadas. Lá se reunirão os homens para o encontro marcado.

Diogo é quem chega primeiro, vindo da direção norte. Pica um naco do fumo de rolo. Agasalha a grã-finagem na palha e prensa o cigarro caipira. Os homens vêm ter com ele. Cada um deles oriundo de uma direção de outros pontos cardeais – como se o enevoado dos terreiros fosse a Green(-)wi(t)ch dos esquecidos.

Antonio traz consigo bigode, o cenho franzido pela urgência e gravidade desmesuradas. Jorge é a própria visão da criatura em sua jaqueta preta de brim sujo surrado. Nos lábios de Jacinto o sorriso tênue dos loucos. Acendem o cigarro e tragam dele, solenes, a suprema quietude das idéias fixas.

Antonio avança com a perna esquerda. Ele traça com sua bota no chão o arco de meia circunferência. Depois inscreve um pequeno círculo cheio acima do desenho – uns cinqüenta graus à direita – com o giro do seu pé. Os outros olham, atentos, para as figuras desenhadas na poeira. Jacinto traga forte e traz a fumaça no peito. Jorge leva a mão direita para coçar a nuca. Antonio desfaz-se das formas geométricas.

– E então? Diogo é o primeiro a falar. A fumaça flui abundante das narinas de Jacinto. Lembra a figura de um dragão chinês. Os olhares dos homens se entrecortam.

– É mister abandonarmos as obras a repetirem-se assim. Diz Jacinto num tom inconteste (voz consoante aos cânticos de grilos, ritmo quente dos sapos, dança frenética dos pirilampos, das aves mudas de terror). – Daqui para frente só vamos tratar daquilo que trouxer a essência do ZO>O. Deixemos esta esfera celeste saturada do mesmo.

– Pena que nós nascemos da Terra nesses dias, das descobertas todas já feitas. Arrisca-se Jorge, um bocado inseguro. Antonio amassa a cinza da bagana no pé.

– Ao contrário. Cabe a cada um de nós buscarmos a saída: o elemento transcendente das idéias! Brada Jacinto.

– A es-sên-ci-a do no-vo. Disse Diogo, enfim.

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