A noite se escondeu rápida e a mãe debruçada na janela sentiu a alvorada incendiar, ainda com mais vigor, os seus olhos aflitos, ansiosos e já pintados com a inevitável cor do cansaço, de um quase desanimo. Aguardava a chegada da filha que saíra para essas andanças noturnas que só a ânsia incontida dos adolescentes sabe explicar seus caminhos e segredos. Notou que as contas do terço que apertava contra suas mãos ansiosas começavam a brilhar mais intensamente com o acelerar do sol que já iniciava sua incansável e inexorável rotina de todos os dias.
Ela que rezava desde o meio da noite pela sua segurança queria apenas um sinal de vida. Um telefonema. Ligou para as amigas da sua garota, parceiras fiéis das jornadas pelas ruas enluaradas, sem conseguir qualquer noticia. Sua indignação, revoltas e medos impossíveis de conter, cresciam nas mesmas proporções das pernas apressadas e avassaladoras do tempo.
Durante grande parte da noite insone pensou nas coisas que lhe diria quando chegasse em casa. Coisas duras que pudessem ferir seus sentimentos e sensibilizassem seu coração com aquele ato de irresponsabilidade. Arquitetou em lhe dar uma bofetada capaz de deixar tatuada na sua face a cor rubra que retratasse a ansiedade que ficou a lhe chicotear a alma a cada segundo daquele atormentador silêncio noturno.
Como o amor de mãe não tem medidas, entre um momento de raiva e outro de total apreensão, rezava o terço. Pedia pelo bem estar da menina. Pela sua vida. Entre o rolar de uma lágrima nascida do medo, seu coração inflava de raiva por aqueles momentos de ingratidão. O que custava um aviso. Uma só palavra da filha era tudo que precisava naquela hora. Suas preces, no entanto, pareciam em vão. Perdeu a noção das vezes que ligara para seu celular.
Seus olhos bisbilhotavam as esquinas e as ruas já quase ensolaradas. Cada carro que aparecia ao longe tinha a cor da esperança, um amortecedor de sua angustia. A mágoa pelo descaso e o temor por um acidente cresciam como gigantes em suas entranhas. Quando essa menina chegar vai ver do que sou capaz, dizia. Palavras que fingia não saber que saiam apenas da boca para fora. Que não vinham das paredes finas do seu coração. Da floração da sua alma.
Derrubada pelo cansaço sentou na sua cadeira de balanço e lembrou da sua juventude quando só saia acompanhada com alguém da família e com hora certa para voltar. Pensou como sua mãe era feliz por não ter vivido esses momentos de intensos temores. Sentiu inveja da quietude das suas noites. Do seu sono tranqüilo, reparador, sem sustos, sem temores.
Lembrou como eram tímidos os perigos das ruas de antigamente. Época em que os jovens cumprimentavam as estrelas e se embriagavam somente com as chuvas de luar que se espalhavam pelas calçadas e iluminavam seus sonhos de paixão e de amor que ficavam anônimos escondidos entre travesseiros alvos e os lençóis bordados.
O ruído da chave abrindo a porta que dava para a rua a fez retornar a vida. Sua filha chegara, mesmo nas asas do sol forte, feliz, bem de saúde. Seus olhos de mãe recuperaram o brilho. O que houve, filha? Perguntou. Tive problemas com o carro e meu telefone ficou sem bateria. Perdoa. Isso não vai mais acontecer. A mãe escondeu o terço entre as mãos fechadas. Nem um sinal de raiva, de revolta interior. Deu-lhe um beijo apaixonado e lhe disse - vá dormir, filha. Você deve estar cansada e morta de sono.
Sentou, novamente, na velha cadeira de embalo, cravou o terço com força no peito aliviado e agradeceu aos céus pela graça alcançada. Recostou a cabeça, deu um doce sorriso e adormeceu feliz com a cruz de cristo brilhando nas mãos. Sabia no seu intimo, que apesar de algumas horas adversas, o quanto é apaixonante ser simplesmente mãe.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
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SIMPLESMENTE MÃE - Noélio A. de Mello
autor(a): Noélio A. de Mello
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