Minha mãe dá um grito ao telefone. Susto.
Olho no corredor. Minha mãe chora.
Desliga e sorri aliviada. Confusão.
Depois diz: seu pai comprou a casa. Diversão.
Era uma casa pequena. Pouca luz. Sem antena.
O homem que a vendeu só levou o violão. Problema de estimação.
Tinha telhas que, outrora fortes, já não agüentavam chuvas nem ventos fortes.
Minha mãe, meu pai e minha irmã rezavam pra não chover;
Enquanto que eu...bem, eu dançava a dança dos índios pro toró descer e a farra fazer. Quando ela chegava, minha mãe gritava: tragam os baldes! Empurrem este móvel para cá e a cama para lá!
Na minha pequenez, pensava: melhor ficar lá fora pro banho não ter mais hora.
Ah, e as estrelas...essas brilhavam tanto, que a lua, cheia de ciúmes, caía em pranto.
As casas eram delimitadas por graciosos muros de vegetação.
Nada de cimento. Tudo inocência. Puro contentamento.
Meu pai, sempre festeiro, fazia de tudo um grande acontecimento.
Minha mãe se chama Lúcia. A vizinha também.
Meu pai, querendo festa, abriu uma picada no muro verde.
Pendurou uma placa: “Passagem das Lulu”.
Motivo de grande euforia, teve banda pra picada. Virou notícia de um jornal amigo.
Meu vizinho, rapaz bonito, rebelde e cabeludo, tocava violão com um amuleto, e eu, sempre metida, fiz logo parte daquele dueto.
Cantávamos Tom, Vinícios, João Gilberto e Caetano. Só? Hoje me espanto.
À noite, íamos à praia pegar siri devidamente aparelhados: baldes, lanternas e descalços.
Voltava com os dedos inchados. Amaldiçoava os pobres coitados.
Depois de fervidos, comia-os!
Enchia a pança. Pura vingança.
Observava Dorival Caymmi pescando. Rosto manso. Riso largo. Paciência longa.
A vegetação deslizava pela areia da praia. Marido e mulher. Verde e branco.
Lugar encantado. Rio das Ostras.
Rio que não tem mais ostra. Lugar que não reconheço.
Mas foi lá que realmente vivi.
E vivi tantas histórias...morro de rir.
sábado, 1 de maio de 2010
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Verde e branco - Patrícia Amorim
autor(a): PATRICIA ROCHA DE AMORIM
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1 Comentário
Retornei à minha infância enquanto lia o texto... Senti até o cheiro daquele tempo. Texto agradabilíssimo o seu, minha querida! Que delicadeza, que fineza de lirismo, que apuração...
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