terça-feira, 29 de junho de 2010

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Bruna Maria - Por que precisamos vencer qualquer Copa?




Os jogadores entram em campo. Com segurança, lanço a afirmação: metade dos torcedores inflamados e ansiosos não sabe bem quem são eles; não sabem direito seus nomes, a posição em que jogam, a história e os clubes pequenos que antecederam aquele momento em que, enfileirados, eles sobem ao nível mágico e iluminado do gramado. É porque essa cota da população torcedora não acompanha futebol. Essa cota não sabe dos campeonatos, das taças – Brasileiro? Libertadores? –, não sabem direito a escalação do time local pelo qual dizem torcer. E não os culpo. Assim sou também. Torço por um time, mas confesso que não sei muito sobre ele. Aprecio mais o imaginário das competições, do que os detalhes. Não paro minha quarta-feira à noite por nada, nem mesmo o meu domingo, para acompanhar uma partida tradicional de um time nacional. De verdade, não sou o estereótipo de torcedor ou torcedora. Não sou. E, justo por não ser e saber da existência de torcedores assim, como eu, posso garantir que, metade dos torcedores inflamados e ansiosos não sabe bem quem são os jogadores que entram em campo.

E vamos para o limbo, por isso? Não. Não mesmo. O máximo que pode acontecer é que um de nós, torcedores de ocasião, fale alguma bobagem bem ridícula e que passe de bobo perto de algum entendido. Nada demais. Quem nunca passa de bobo em situação alguma não pode ser humano, não pode ser normal.

Mas e quanto à Copa? A Copa do Mundo? Porque essa sim contagia e envolve até quem não vive futebol. Então como pensar nesse evento tão grande, de proporções mundiais, no qual um grupo de jogadores veste um uniforme para representar aquilo que chamamos de “nossa pátria”? Onde ficamos nós, os ignorantes futebolísticos, quando o evento é grande e tão largamente falado, assim?

Ficamos é ligados, pois bem. Ficamos em alerta, acompanhando placares, torcendo como nunca fazemos. Parece estranho, não?

Uma gama da sociedade diz que torcemos assim na Copa porque somos tomados por um ufanismo ridículo, o “ufanismo de Copa”, que acomete cada brasileiro a cada quatro anos. Sim, é possível. Acredito que muitos brasileiros agarram a ideia (qual mesmo?) de ser brasileiro quando se vê tomado dessa energia e veste seu traje canarinho típico de dias de jogos da seleção, se entregando a esse parar do país para assistir a um jogo. Não nego que isso acontece e que existe, de fato – esse ufanismo aparece, sim. Mas acho, também, que não para por aí, e por isso aqui eu vou mais longe. Não é só ufanismo. O buraco é mais embaixo.

Visualizemos: quando aquele grupo de sujeitos saudáveis, bem preparados fisicamente (não estou aqui ponderando os méritos futebolísticos); quando aquele grupo de sujeitos peneirados em um universo de jogadores; quando aqueles homens, concentrados, passam no ônibus e seguem para o vestiário; seguem do vestiário e avançam para o gramado, tendo todas as atenções voltadas para eles, já não se trata apenas desse âmbito nacionalista. E me desculpe (ou não me desculpe, tanto faz) quem não concordar: mas quando o time canta (ou finge que canta) o hino, o capitão murmura com os árbitros e a bola começa a rolar, parece que outro nível de apreciação surge entre nós – e o que vemos não é bem a nação que amamos (amamos?) lutando por mais um título. O que vemos, o que desejamos ver e que, por isso mesmo, vemos e aguardamos ansiosos por vivenciar, é uma vitória. Uma vitória. Uma vitória, assim, indefinida, que caiba em qualquer sonho, de qualquer pessoa.

E aí, aquele emprego que você não conseguiu, aquela bolsa que não saiu, aquele texto que não foi selecionado, aquela moça que te trocou pelo seu amigo, aquele carro que ficou mais caro, aquele sapo que você teve que engolir e com o qual ainda não se conforma, enfim, tudo isso vem à tona. Vem à tona sob a forma que concedemos ao que vemos na telinha (ou na telona de plasma, dividida no cartão em muitas vezes), vem sob a forma do sucesso que queríamos para nós e que ainda não aconteceu, sob a forma daqueles jogadores que, muitos, vieram de família humilde, foram vistos, foram testados, tiveram lesões, foram morar fora, esperaram entre tantos que o treinador os convocasse, que foram para a África do Sul; aqueles jogadores que brilham durante o tempo de jogo, que as câmeras perseguem, que, em slow motion, parecem dignos de um filme de ação, de uma épica sobre gramados. Tudo o que queríamos para nós, o sucesso ali concentrado, aparece na possibilidade de grandiosidade, de vitória de pessoas que, elas sim, estão bem mais perto da glória que planejamos, de algum modo, para nós.

Então, tanto faz nessa hora se você acompanha futebol o ano todo, se sabe das regras, dos nomes e das escalações de todas as seleções. Aquele que não sabe nada disso também sente, como você sente (mas como provavelmente vai negar que sente), todo o entusiasmo, todo o desejo pela vitória. Não é só porque é o Brasil (o que poderia parecer vago); mas é porque é um espetáculo de vencedores.

E é por isso, afinal, para que a nossa ambição por sucesso, mesmo que seja através outros, continue assim, de quatro em quatro anos, é que precisamos vencer qualquer Copa.





Imagem: Band, arquivo/AE

2 comentários

Denilson

Belíssima crônica. Digna dos melhores jornais. Parabéns à autora!

Bruna Maria

Olá, Denilson!

Obrigada pela leitura. Fico feliz que tenha gostado da crônica.

Um abraço!!