segunda-feira, 28 de junho de 2010

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CABELOS ENLUARADOS


Meu pranto sempre será por tristezas infindas, nunca pelo fantástico da felicidade.

A noite já ia alta e numa roda de amigos o assunto girava em torno dos sentimentos dos homens. Alguém me pergunta se choro fácil diante dos momentos de felicidade, de intensas alegrias. Não foi preciso consultar meu coração para dizer que o esplendor da floração não me mostra motivos para encharcar de lágrimas as raízes que nascem fortes no solo da minha alma.
Seria uma afronta à alegria, um desperdício de felicidade molhar meu lenço com o fel do pranto que apagaria meu riso, secaria a fonte dos meus sonhos e embaçaria de nuvens o brilho do meu olhar.


Acho que lágrimas e momentos felizes deveriam ser inimigos eternos como são o fogo e a água, a manhã e a tarde, a alvorada e o crepúsculo, o sol e a lua, o amor e desamor, por isso, talvez, aprendi a não julgar os sentimentos alheios, mas sou fiel a todas as verdades que ditam meu coração.


Íntimos, cúmplices inseparáveis das lágrimas, são as dores incuráveis, as saudades de uma perda que o tempo não consegue esconder, a ausência de um amor que partiu, que findou suas emoções, um gesto traiçoeiro da vida, os bandoleiros minutos que emboscaram um destino e que interromperam o andar de uma caravana sentimental.


Amigos leais das lágrimas são os dardos da desforra, da incompreensão, da inimizade que muitos cravam em nossos corações. São as lâminas da hipocrisia, da mentira sem freios que nos alcançam pelas nossas costas desprotegidas, inocentes. São os gestos de perdão que nunca chegaram, um abraço amoroso que foi se refugiar em outros braços, um beijo de paixão que nos foi negado e que partiu para sentir o frescor de outros lábios.


Fiéis companheiras das tempestades de lágrimas são as nossas covardias diárias que não permitem que falemos das nossas angustias, dos nossos momentos de infortúnios, das desesperanças que nos negam sonhar com os perfumes de um futuro de venturas. São os fantasmas do passado que nos assaltam no meio das noites contando histórias tintas de tristezas e que não mais queremos ouvir, saber, que desejamos não mais pensar.


Amantes do choro são as nossas almas feridas pelas flechas do luto, pela ronda acelerada do tempo que não deixa que fantasiemos nossas vidas, iluminemos nossos caminhos, que ancoremos nossos barcos de dores nos portos da fé, de onde poderíamos nos extasiar com o mais colorido de todos os horizontes, de nos embriagarmos com as gotas do orvalho que pegam caronas diárias nas asas encantadas da aurora e que trazem de longe o aroma da vida, de um outro tempo, da liberdade que anseiam nossos espiritos.


Guardo minhas lágrimas para quando a vida precisar delas. Nos momentos felizes da minha existência sou noivo da fantasia, das festas efervescentes que alugam meu coração, acompanham seus batimentos, que pintam suas paredes com as cores quentes, fortes, das alegrias que animam, das paixões avassaladoras que me riscam na face o riso que por um momento me parece incessante, eterno.


Deixo armazenadas minhas lagrimas para quando me for proibido avistar o chão das estrelas. Para quando meus cabelos enluarados pelo tempo, pela vida, esconderem nas suas mechas nevadas todos os sonhos que não mais poderei sonhar, todos os desejos que não mais poderei realizar.


Como tesouros guardo minhas lágrimas para o momento que desaparecerem todas os encantamentos que carrego no peito, no ventre do meu espírito, para quando meu olhar for incapaz de se espreguiçar pelas flores rubras que simbolizam as delicadezas do amor.

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