Resolvi aproveitar o tempo que sobrava do meu horário de almoço para visitar o presépio vivo em exposição no Campo de Santana, bem em frente ao meu local de trabalho. Nunca dei muito valor a esta tradição natalina, mas foram tantos elogios e recomendações que achei que valeria a pena dar uma olhada. Tratava-se, segundo meus colegas, de um presépio esculpido na própria vegetação, e com tudo que tinha direito, do jumento ao menino Jesus. Curioso, lá fui eu conferir.
Chegando ao local indicado, entretanto, minha atenção desviou-se para uma roda de gente que se tinha se formado na outra banda do largo em que o presépio se localizava. Poucos são os que se deixam passar por esses ajuntamentos humanos sem dar uma espiadinha — pelo menos para saber do que se trata —, e não foi diferente comigo. A roda era ampla, espessa, devia de ser coisa boa. O presépio que esperasse.
Rodeei, procurando o melhor ponto de visão, mas estava difícil; só mesmo depois de pisar na ponta dos pés e me esticar todo foi que consegui entrever — entre cabeças e ombros — um magnífico pavão a exibir sua cauda, exuberantemente içada, para uma fêmea indiferente, que pouca ou nenhuma atenção lhe dava. De imediato, compreendi que estava diante de algo totalmente novo para mim — um ritual de acasalamento entre pavões.
Estou acostumado a atravessar o Campo de Santana todas as manhãs, no trajeto que vai da estação Central do metrô até o meu trabalho, e me considero um homem privilegiado por isso. Meus olhos nunca se cansam de contemplar a beleza verdejante de suas árvores vetustas, seus campos bem cuidados, esculturas e monumentos; sem falar no belo lago artificial, onde os visitantes atiram pedaços de miolo de pão às tilápias de cima da ponte com cerca de concreto que imita tronco de árvore. E tudo isso numa ampla área verde, incrustada bem no centro do Rio, entre os prédios e a poluição do tráfego febril.
Caminhar entre os animais que circulam livres lá dentro é pura poesia. As cutias são a marca registrada, sempre provocando olhares admirados pela maneira quase humana com que roem as guloseimas que lhes são oferecidas, diariamente, pelos funcionários da prefeitura. Quem não se surpreende ao ver uma cutia, elegantemente sentada, a girar, com suas “mãozinhas” de quatro dedos, pedaços de legumes contra os eficazes dentes de roedor. Sem falar nas galinhas D’Angola – com seus gritinhos de “tô-fraco” –, os patos, os gansos, os... Recentemente, até mesmo os gatos de rua se instalaram por lá. A coisa começou com pequenos filhotes “indesejados” que foram sendo jogados por entre as grades que cercam o Campo. Enquanto estes cresciam – alimentados por almas caridosas –, outros mais foram chegando (pelas mesmas vias), e aqueloutros se multiplicando... Não demorou muito e o Campo estava tomado pelos bichanos, que acabaram por cair no gosto da população, convivendo pacificamente entre os outros animais — sempre na espreita de algum pombo ciscante.
Mas, dentre todos estes encantos, existe um que, a meu ver, se destaca: os pavões. Até com a cauda recolhida eles causam um verdadeiro alvoroço quando decidem dar uma esticada pelas mesmas ruas pavimentadas por onde circulam os pedestres e os carrinhos elétricos da guarda municipal, ofertando-se à observação mais próxima. Aliás, isso explica a razão daquela aglomeração humana com que me deparara, pois nunca havia presenciado um pavão a se exibir de forma tão generosa.
Chegando ao local indicado, entretanto, minha atenção desviou-se para uma roda de gente que se tinha se formado na outra banda do largo em que o presépio se localizava. Poucos são os que se deixam passar por esses ajuntamentos humanos sem dar uma espiadinha — pelo menos para saber do que se trata —, e não foi diferente comigo. A roda era ampla, espessa, devia de ser coisa boa. O presépio que esperasse.
Rodeei, procurando o melhor ponto de visão, mas estava difícil; só mesmo depois de pisar na ponta dos pés e me esticar todo foi que consegui entrever — entre cabeças e ombros — um magnífico pavão a exibir sua cauda, exuberantemente içada, para uma fêmea indiferente, que pouca ou nenhuma atenção lhe dava. De imediato, compreendi que estava diante de algo totalmente novo para mim — um ritual de acasalamento entre pavões.
Estou acostumado a atravessar o Campo de Santana todas as manhãs, no trajeto que vai da estação Central do metrô até o meu trabalho, e me considero um homem privilegiado por isso. Meus olhos nunca se cansam de contemplar a beleza verdejante de suas árvores vetustas, seus campos bem cuidados, esculturas e monumentos; sem falar no belo lago artificial, onde os visitantes atiram pedaços de miolo de pão às tilápias de cima da ponte com cerca de concreto que imita tronco de árvore. E tudo isso numa ampla área verde, incrustada bem no centro do Rio, entre os prédios e a poluição do tráfego febril.
Caminhar entre os animais que circulam livres lá dentro é pura poesia. As cutias são a marca registrada, sempre provocando olhares admirados pela maneira quase humana com que roem as guloseimas que lhes são oferecidas, diariamente, pelos funcionários da prefeitura. Quem não se surpreende ao ver uma cutia, elegantemente sentada, a girar, com suas “mãozinhas” de quatro dedos, pedaços de legumes contra os eficazes dentes de roedor. Sem falar nas galinhas D’Angola – com seus gritinhos de “tô-fraco” –, os patos, os gansos, os... Recentemente, até mesmo os gatos de rua se instalaram por lá. A coisa começou com pequenos filhotes “indesejados” que foram sendo jogados por entre as grades que cercam o Campo. Enquanto estes cresciam – alimentados por almas caridosas –, outros mais foram chegando (pelas mesmas vias), e aqueloutros se multiplicando... Não demorou muito e o Campo estava tomado pelos bichanos, que acabaram por cair no gosto da população, convivendo pacificamente entre os outros animais — sempre na espreita de algum pombo ciscante.
Mas, dentre todos estes encantos, existe um que, a meu ver, se destaca: os pavões. Até com a cauda recolhida eles causam um verdadeiro alvoroço quando decidem dar uma esticada pelas mesmas ruas pavimentadas por onde circulam os pedestres e os carrinhos elétricos da guarda municipal, ofertando-se à observação mais próxima. Aliás, isso explica a razão daquela aglomeração humana com que me deparara, pois nunca havia presenciado um pavão a se exibir de forma tão generosa.
Empurrando daqui, apertando dali, a custo consegui uma frestinha; pequena, mas suficiente para não perder nenhum detalhe. Através dela, avistei, no centro da roda, a fêmea, tão sem graça em comparação ao macho que passaria vergonha se cruzasse com uma das D’Angola. Aliás, diga-se de passagem, dentre os pássaros, os machos sempre superam as fêmeas em formosura. Entre os mamíferos não é diferente, exceção feita à espécie humana, onde as fêmeas se armam de curvas e formas muito mais atraentes (para não dizer eficientes) que os machos, embora estes continuem a se exibir feito pavões para lhes chamar a atenção. Vale ressaltar, aqui, que a cauda do pavão — conforme li numa enciclopédia — não tem nenhuma função prática na natureza, a não ser seduzir a fêmea; ou seja, estava diante do momento para o qual aquele leque esplêndido fora arquitetado; e que melhor ocasião para observá-lo em toda a sua pujança?
Breve, minhas suspeitas confirmaram-se: a fêmea não estava nem aí para o macho! A cauda sexual que a todos impressionava não parecia excitá-la de forma alguma. Dava pena ver o esforço do bicho, dando tudo de si, a esticar as belas plumas num paroxismo de formas multicoloridas — em que predominava um verde irisado —, enquanto a fêmea o ignorava implacavelmente, como que a lhe dizer: “Posso não ser bela como tu, mas se quiseres passar teus genes, meu querido, vais ter que rebolar...”. E, por incrível que possa parecer — pasmem! —, foi exatamente o que ele fez...
Cansado de se exibir, girando em volta dela sem ser notado, o pavão resolveu apelar. Não sei como posso descrever o papel a que ele se submeteu. A imagem mais próxima que me vem à cabeça é a da Carla Perez fazendo tremer o bumbum em requebros curtos e rápidos, ao mesmo tempo em que retrocede, sapateando, em direção às câmeras, naquela dança que deixa os machos (humanos) de queixo caído em frente à TV. Só que, no pavão, o que tremia era a cauda, que chacoalhava com o remelexo e produzia um som de penas entrechocadas, hipnotizante como chocalho de cascavel.
E ele acabou mesmo conseguindo hipnotizar toda a platéia, exceto a fêmea, que permanecia impassível, impávida, absoluta! Pensaria até que ela não o via, não fosse pelas escapulidas que dava quando o “pavão-Tchan” se aproximava mais ousadamente. Decorrida quase meia hora de tentativas infrutíferas, ele ainda permanecia lá, inabalável, na clara tentativa de vencê-la pelo cansaço. E ela a rejeitá-lo, impiedosa. A coisa iria demorar...
Deslumbrado como estava, ficaria ainda por horas acompanhando aquele ritual em tudo exótico, mas meu tempo esgotou-se, e tive que voltar ao trabalho, motivo pelo qual ficarei devendo o final desta luta inglória — que adivinho malsucedida, tal era a inclemência daquela dama. Antes de ir embora, contudo, ainda tive tempo de dar uma passadinha de olhos no tal presépio vivo, que pude observar com folga, já que a massa humana se concentrara toda do outro lado, em torno do desinibido casal. Querem saber? Um belo presépio, sem dúvida, mas diante das circunstâncias, seria desleal tecer qualquer tipo de comentário aqui. Quem sabe no próximo dezembro...
Breve, minhas suspeitas confirmaram-se: a fêmea não estava nem aí para o macho! A cauda sexual que a todos impressionava não parecia excitá-la de forma alguma. Dava pena ver o esforço do bicho, dando tudo de si, a esticar as belas plumas num paroxismo de formas multicoloridas — em que predominava um verde irisado —, enquanto a fêmea o ignorava implacavelmente, como que a lhe dizer: “Posso não ser bela como tu, mas se quiseres passar teus genes, meu querido, vais ter que rebolar...”. E, por incrível que possa parecer — pasmem! —, foi exatamente o que ele fez...
Cansado de se exibir, girando em volta dela sem ser notado, o pavão resolveu apelar. Não sei como posso descrever o papel a que ele se submeteu. A imagem mais próxima que me vem à cabeça é a da Carla Perez fazendo tremer o bumbum em requebros curtos e rápidos, ao mesmo tempo em que retrocede, sapateando, em direção às câmeras, naquela dança que deixa os machos (humanos) de queixo caído em frente à TV. Só que, no pavão, o que tremia era a cauda, que chacoalhava com o remelexo e produzia um som de penas entrechocadas, hipnotizante como chocalho de cascavel.
E ele acabou mesmo conseguindo hipnotizar toda a platéia, exceto a fêmea, que permanecia impassível, impávida, absoluta! Pensaria até que ela não o via, não fosse pelas escapulidas que dava quando o “pavão-Tchan” se aproximava mais ousadamente. Decorrida quase meia hora de tentativas infrutíferas, ele ainda permanecia lá, inabalável, na clara tentativa de vencê-la pelo cansaço. E ela a rejeitá-lo, impiedosa. A coisa iria demorar...
Deslumbrado como estava, ficaria ainda por horas acompanhando aquele ritual em tudo exótico, mas meu tempo esgotou-se, e tive que voltar ao trabalho, motivo pelo qual ficarei devendo o final desta luta inglória — que adivinho malsucedida, tal era a inclemência daquela dama. Antes de ir embora, contudo, ainda tive tempo de dar uma passadinha de olhos no tal presépio vivo, que pude observar com folga, já que a massa humana se concentrara toda do outro lado, em torno do desinibido casal. Querem saber? Um belo presépio, sem dúvida, mas diante das circunstâncias, seria desleal tecer qualquer tipo de comentário aqui. Quem sabe no próximo dezembro...
Imagem 1: Claudio Lara
Imagem 2: Um dos três pavões do Campo de Santana - Foto: Carlos Peixoto (http:///g1.globo.com/noticias/Rio/foto)
1 Comentário
Parabéns pela crônica!
Ótima de se ler!
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