X – A OVELHA BRANCA
De todos aqui em casa, a tia é quem tem o comportamento mais
estranho. Sua conduta ao longo dos anos tem provado isso: ela é
considerada por todo o bairro como pessoa equilibrada, coloca a virtude e
a honestidade acima de tudo e além do mais é o exemplo das beatas da
rua, que a querem à frente das coisas da Igreja. A tia, com sua
inacreditável modéstia, recusa sempre o convite, se diz não merecedora
de tal privilégio e encerra o assunto servindo chá para as beatas na sala, o
que provoca em vovô uma escala de reações que vai do mais simples
desdém até o que há de mais elevado e obsceno em matéria de palavrões.
Mas, para nossa infelicidade, isso que está acima não é tudo. Os
problemas com a tia não acabam por aí. Os médicos, tolos contumazes,
mostram apenas um diagnóstico: ela é normal. Nós voltamos para casa
arrasados, e mamãe, que é sua irmã, intercede sempre em seu favor. Esse
protecionismo exagerado dá nos nervos do tio, que com palavrões e
insultos exibe a marca inequívoca da sua filiação. Papai já é mais refinado,
e citando Rita Lee, de quem é fã incondicional, aponta para o fato de que
em qualquer família há sempre uma ovelha negra. Ovelha negra o catsu!,
digo eu. Ovelhas negras somos nós, negríssimas, por sinal. Nem nisso a tia
se iguala: é pálida, leitosa, transparente quase. Mas isso não é motivo para
discriminar a pobrezinha, diz vovó, esta sim tão da família que nunca joga
limpo, nunca mostra a sua verdadeira identidade.
Quando saborosas discussões desse tipo de abrigam no peito da
família, a tia, ao invés de nos deixar brigando e em paz, vem com os
famosos panos quentes, as frases apaziguadoras, os malditos chás
calmantes. É um verdadeiro milagre que ela se conserve ainda sobre as
pernas e com todos os dentes.
domingo, 6 de junho de 2010
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EM FAMÍLIA - Capítulo 10
autor(a): Parreira
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