CONTOS DE SOLIDÃO
- High society -
Nunca pensei que viria tanta gente para esse coquetel!... Canapés de camarão, salgadinhos, docinhos, vinho, espumante, cerveja... Os garçons não param de aparecer com uma bandeja na minha frente, e já desisti de seguir com a dieta hoje... Já perdi a conta de quantas vezes andei por esse salão, com uma taça na mão, percorrendo um a um os quadros dessa vernissage de arte contemporânea, que mais parece um desfile de modas e de frivolidades...
A nata da sociedade está aqui hoje, “la crème de la crème”, diria um colunista mais esnobe...Se fosse somar o conteúdo da conta bancária desses milionários e o peso das joias das madames emplumadas, o chão com certeza desabaria!, pensei, sem conseguir conter o sorriso quando a cena me veio à mente...
Estou me sentindo um peixe fora d’água no meio desses ricaços, mas a revista me mandou para cobrir o evento, fazer o quê?... Já estou há mais de uma hora rondando aquela socialaite perto das bebidas, mas parece que ela nem me vê... Daqui a pouco ela vai ficar de pilequinho, para variar, e dar em cima de todo mundo, como sempre... Seria melhor se eu conseguisse a entrevista antes...
Ali está a dona Brígida, toda sorridente ao lado do marido, posando para o fotógrafo do concorrente... Olhando de fora, quem vai dizer que esses dois se odeiam, mas vivem em quartos separados na mesma casa?... Ah, o patrimônio!... Jogar tudo para o alto e perder dinheiro, status e poder? Nem pensar!...
A dona Abigail está na mesma situação, há anos fechando os olhos para os deslizes daquele bode velho, um pinguço de primeira! Quando ele morrer, vai nascer um pé de cana do lado da sepultura, com certeza!...
E veja só a Patrícia, tão jovem e bonita, casada com aquele empresário... Como é mesmo nome dele? Leônidas, isso! Trinta anos mais velho que ela, morre de ciúmes da mulher, que ele exibe como um troféu... Acha que está abafando!... Vivem dizendo que ela dá as suas escapadinhas à tarde, mas ninguém se atreve a falar nada. Quem tem telhado de vidro...
Aquela outra lá deixou até o marido em casa. Está com a pele bem mais esticadinha do que quando a vi na última vez. Essa é pegadora!...Quando ela sai com aquele conversível vermelho em direção a Florianópolis, dizem as más-línguas que vai caçar garotão na avenida Beira-mar... Vai ver que é por isso que ela está sempre com esse sorriso no rosto, com os olhos e a pele brilhando... O marido já não tem nem cara mais de aparecer ao lado dela. Melhor fazer que não vê, para não perder a vida boa...
Os artistas plásticos da exposição são os únicos que parecem mais naturais. Eles se esforçam em “explicar” suas obras aos patrocinadores, que fingem entender de arte...
Já está na hora de fazer aquela entrevista pingue-pongue para a revista e decido me aproximar da socialaite, que agora se mostra menos esnobe e condescendente comigo. A minha presença aqui significa aparecer na página vip da revista, e isso é motivo mais do que suficiente para que ela me atenda bem...
Pronto, terminei a entrevista! Acho que agora está na hora de vazar daqui. E é o que estou fazendo. Mas uma cena me chama a atenção enquanto me dirijo à porta de saída, com a chegada de um jovem casal. Eles usam jeans e camisetas, bolsas de couro atravessadas no peito e tênis. Meio ripongas. Ela é filha do dono da maior rede de lojas de calçados da cidade, e o namorado, um estudante de engenharia civil (um pé-de-chinelo, como querem os fofoqueiros, torcendo o nariz)... A plateia se vira para eles e os olha de cima a baixo, censurando silenciosamente os trajes dos dois. Apaixonados, eles entram abraçados, sorridentes e cumprimentam a todos, sem ligar para os olhares de reprovação e risinhos debochados. “Excêntricos”, dizem alguns, “felizes”, digo eu, que vou embora com a certeza de que presenciei uma das poucas cenas de alegria genuína, naquela noite...
Sônia Pillon
Imagem: Joel Achenbach
A nata da sociedade está aqui hoje, “la crème de la crème”, diria um colunista mais esnobe...Se fosse somar o conteúdo da conta bancária desses milionários e o peso das joias das madames emplumadas, o chão com certeza desabaria!, pensei, sem conseguir conter o sorriso quando a cena me veio à mente...
Estou me sentindo um peixe fora d’água no meio desses ricaços, mas a revista me mandou para cobrir o evento, fazer o quê?... Já estou há mais de uma hora rondando aquela socialaite perto das bebidas, mas parece que ela nem me vê... Daqui a pouco ela vai ficar de pilequinho, para variar, e dar em cima de todo mundo, como sempre... Seria melhor se eu conseguisse a entrevista antes...
Ali está a dona Brígida, toda sorridente ao lado do marido, posando para o fotógrafo do concorrente... Olhando de fora, quem vai dizer que esses dois se odeiam, mas vivem em quartos separados na mesma casa?... Ah, o patrimônio!... Jogar tudo para o alto e perder dinheiro, status e poder? Nem pensar!...
A dona Abigail está na mesma situação, há anos fechando os olhos para os deslizes daquele bode velho, um pinguço de primeira! Quando ele morrer, vai nascer um pé de cana do lado da sepultura, com certeza!...
E veja só a Patrícia, tão jovem e bonita, casada com aquele empresário... Como é mesmo nome dele? Leônidas, isso! Trinta anos mais velho que ela, morre de ciúmes da mulher, que ele exibe como um troféu... Acha que está abafando!... Vivem dizendo que ela dá as suas escapadinhas à tarde, mas ninguém se atreve a falar nada. Quem tem telhado de vidro...
Aquela outra lá deixou até o marido em casa. Está com a pele bem mais esticadinha do que quando a vi na última vez. Essa é pegadora!...Quando ela sai com aquele conversível vermelho em direção a Florianópolis, dizem as más-línguas que vai caçar garotão na avenida Beira-mar... Vai ver que é por isso que ela está sempre com esse sorriso no rosto, com os olhos e a pele brilhando... O marido já não tem nem cara mais de aparecer ao lado dela. Melhor fazer que não vê, para não perder a vida boa...
Os artistas plásticos da exposição são os únicos que parecem mais naturais. Eles se esforçam em “explicar” suas obras aos patrocinadores, que fingem entender de arte...
Já está na hora de fazer aquela entrevista pingue-pongue para a revista e decido me aproximar da socialaite, que agora se mostra menos esnobe e condescendente comigo. A minha presença aqui significa aparecer na página vip da revista, e isso é motivo mais do que suficiente para que ela me atenda bem...
Pronto, terminei a entrevista! Acho que agora está na hora de vazar daqui. E é o que estou fazendo. Mas uma cena me chama a atenção enquanto me dirijo à porta de saída, com a chegada de um jovem casal. Eles usam jeans e camisetas, bolsas de couro atravessadas no peito e tênis. Meio ripongas. Ela é filha do dono da maior rede de lojas de calçados da cidade, e o namorado, um estudante de engenharia civil (um pé-de-chinelo, como querem os fofoqueiros, torcendo o nariz)... A plateia se vira para eles e os olha de cima a baixo, censurando silenciosamente os trajes dos dois. Apaixonados, eles entram abraçados, sorridentes e cumprimentam a todos, sem ligar para os olhares de reprovação e risinhos debochados. “Excêntricos”, dizem alguns, “felizes”, digo eu, que vou embora com a certeza de que presenciei uma das poucas cenas de alegria genuína, naquela noite...
Sônia Pillon
Imagem: Joel Achenbach
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