sexta-feira, 16 de julho de 2010

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Clarissa - Quarto Capítulo

IV

 
Maurício chegou eram cinco horas da manhã. As luzes estavam apagadas por isso não percebeu Clarissa sentada no sofá da sala. Quando estava fechando a porta ela falou:

- Bom dia querido!

- Que susto amor!

- Ora! Susto por quê?

- Você não fica até essa hora me esperando!

- Então quer dizer que quando não vejo você chegar, é essa hora que você chega?

- Não! Só hoje atrasei mais um pouco que o normal.

- E o chope com o pessoal estava bom?

- Estava como sempre.

- Sei! Quem foi com você?

- A turma de professores da noite, o Carlinhos, a Valéria, o diretor e outros.

- Ah! A Valéria veio me trazer em casa era mais ou menos onze e trinta da noite. Na mesma hora que você me ligou.

- Como assim?

- Fiquei na faculdade a pedido da Neuza para ajudar nos preparativos da festa de hoje. Dia do Professor, lembra?

- Foi que horas para lá?

- Fiquei direto após a última aula da tarde. Saí de lá onze e pouco. Como disse quando você me ligou. E também fiquei sabendo que você não dá mais aulas noturnas já faz mais de um mês.

- Querida! Posso explicar!

- Claro que pode! Mas agora preciso dormir porque devo ir à festa dos professores que começa dez horas. É bom descansar um pouco.

Dizendo isso Valéria foi para o quarto e deitou. Mas é lógico, embora fingisse dormir, não conseguiu conciliar o sono de jeito nenhum. Quando Maurício ferrou no sono ela levantou. Arrumou-se toda, foi até a garagem, pegou o carro e foi para a faculdade. Mentira a Maurício que seria às dez horas o início da festa. Na verdade seria às oito. Haveria uma palestra, depois um café da manhã, e aí começariam as atividades esportivas e brincadeiras até a hora do almoço que seria servido depois das treze horas.

Clarissa brincou muito e divertiu-se até com o discurso enfadonho do diretor. Comeu e tomou refrigerante como criança. A cada vez que alguém perguntava por Maurício ela dizia que ele estava corrigindo trabalhos. O dia passou alegre e feliz aparentemente.

Quando ela chegou ao apartamento já era noite. Maurício estava sentado em frente à TV. Parecia assistir a um filme.

- Boa noite! – falou ela.

- Boa noite! – Maurício respondeu de mau humor.

- Foi um dia maravilhooooso!

- Deve ter sido! – falou sarcástico.

- Todos os professores estavam lá, quer dizer, quase todos. Alguns alunos fizeram homenagens lindas, outros passaram filmes de passagens hilariantes de alguns professores em situações deveras cômicas. Foi divertido e instrutivo. Fiquei sabendo que preciso me cuidar quando faço algo estranho, pois posso estar sendo filmada por algum engraçadinho.

Enquanto falava Clarissa ria feliz. Maurício estava taciturno. Olhava de soslaio para a esposa e baixava a cabeça.

Terminado o relato da festa ela entrou para o quarto e foi tomar um banho cantarolando. Quando saiu estava fresca e cheirosa. O escultural corpo enrolado apenas em uma toalha pequena.

- Bem Maurício! Pela manhã você falou que podia explicar a situação atual de seu comportamento. Sou toda ouvidos.

- Quer mesmo saber?

Clarissa não falou nada. Apenas olhou com ar de quem está esperando. A toalha já não cobria quase mais nada. Apenas ficava sobre as pernas que estavam dobradas sobre a poltrona. Maurício não a olhava.

- Está bem! Se quer mesmo saber aí vai. Não dou mais aulas à noite. Em vez de ir para a faculdade saio com uma garota que estou namorando já faz um ano. É isso que você sabia?

Não! Ela não ouvira direito! Clarissa esperava outra explicação. Esperava que ele dissesse que em vez de ir para a faculdade dar aulas, ficava realmente corrigindo provas e depois saía para uma festinha entre amigos, tomar um chopinho ou outra coisa do gênero. Seu coração não estava preparado para esse golpe. Ela era ingênua nesta parte de amor. Amara unicamente o marido desde os quinze anos. Nunca se interessara por ninguém nem por brincadeira. Estava ali nua pensando que a explicação terminaria em um belo abraço e um sexo gostoso. Mas ele estava dizendo que tinha outra, que estava namorando uma garota. Namoraaaaando! Seus ouvidos ouviram, mas o cérebro não assimilava. Como assim? Como pode um homem casado namorar? Isso não existe. Ela andava desconfiada de alguma sacanagem do marido. Alguma transa com alguma vagabunda que não se importa que o cara seja casado. Alguns cafajestes até fazem isso, outros largam da mulher para viver com outra! Agora, namorar!!!!

Seu coração começou a doer de uma forma insuportável. A dor no peito era como se uma estaca estivesse entrando devagarzinho, com sadismo, enfiada com requintes de maldade por algum torturador treinado. Sangrava por dentro e o sangue que invadia seu cérebro não a deixava pensar direito. Uma voz conhecida falava e falava a seu lado, mas ela não entendia nada do que essa voz dizia. Parecia a voz de seu marido. O homem com quem ela casara porque amava muito! Dedicara tantos anos de sua vida a ele. Ajudara a construir sua carreira, a pagar o apartamento, o carro. Era seu marido que falava ali a seu lado. ‘O que ele estava dizendo mesmo?’

- Você não deve levar a sério...

‘A sério? O que ele queria dizer com isso? Meu coração está doendo muito! Minha alma está se desfazendo de tanta dor. Minha cabeça agora também dói muito. Está tudo vermelho. É sangue! Meu sangue que está escorrendo pelos meus olhos. O cérebro não entende mais nada. E essa voz? De quem é? Ah! É meu marido! Marido? Mas ele não disse que está namorando uma garota?’.

- Quero que você entenda...

‘Essa voz! Quer que eu entenda? Entender o que?’

- Clarissa! Está me ouvindo? Você está com uma cara!

‘As mãos dele estão me tocando. Que nojo!’ – pensava Clarissa.

- Não me toque! – dizendo isso Clarissa voltou a si do choque sofrido e de um salto levantou-se.

- Calma querida! Não vou lhe tocar. Mas ouça, preciso terminar.

- Não tem nada mais a dizer! Já ouvi tudo o que precisava ouvir. Fique calmo.

- Estou calmo. É você que parece não estar bem. Há vários minutos que parece não me ouvir.

- Ouvi sim! Ouvi tudo que precisava ouvir. Entendi tudo que precisava entender. Fique tranqüilo.

Clarissa falava calma, ponderadamente como se estivesse dona da situação. Mas seu cérebro ainda estava vermelho de sangue. Seu coração sentia cada vez mais profundamente a estaca enfiada lá por mãos estranhas. Mãos treinadas. Seria algum daqueles torturadores japoneses que trabalhavam nos campos de concentração da segunda guerra mundial? Semana passada ela corrigiu alguns trabalhos dos alunos do segundo período, assunto que falava sobre isso. Sim! Só podia ser isso. Aquela estaca estava ficando cada vez mais profunda e doía cada vez mais. Maurício tentou mais uma vez aproximar-se dela.

- Querida você está com uma cara!

- Não se aproxime! Não é por nada. É só porque minha cabeça está doendo muito. Você me entende, não?

Estava nua. A toalha caíra ao lado do sofá e ela não juntara. ‘Para que juntar a toalha? Afinal estou agora coberta de sangue, meu sangue que jorra do buraco que a estaca fizera. Mas meu peito estava limpo. Não havia sangue. Ah! Lembrei, o sangue está no meu cérebro’. – pensava alucinada.

Lentamente foi para a cozinha. Maurício a seguiu.



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