sexta-feira, 23 de julho de 2010

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Clarissa - Sexto Capítulo

VI


Clarissa acordou com o telefone tocando. Nossa como dormira bem! O sol entrava pela janela da sala e formava prismas nas paredes através dos cristais do lustre. “Atenderia o telefone? Deixe Maurício fazer isso, está tão bom aqui!” E o telefone continuava tocando. “Ora bolas! Precisava atender. Que horas seriam? Há que horas deitara naquele sofá?” Levantou-se devagar e olhou para fora, o sol estava no horizonte azul. “Era de manhã?” Então lembrou tudo novamente! Olhou a sua volta e o piso no meio da sala tinha uma mancha escura. Precisava limpar aquela mancha, o piso era novo não poderia ficar assim. Começou a chorar, chorar muito! As lágrimas escorriam abundantes pelo colo arfante, e ainda estava com o vestido sujo. O telefone parou de tocar e ela lembrou que era de manhã. “Então seria domingo. Dormira desde o dia anterior sem acordar.” Olhou pela janela onde crianças brincavam no parquinho infantil do prédio que ficava em frente. O sol lindo e claro começava a esquentar. O dia seria bom para ir à praia. “Não! Nunca mais iria à praia para se divertir. Era viúva agora. Matara o marido e o jogara ao mar, nunca mais poderia ir lá e ver a água que levou seu amor para as profundezas. Morreria de dor se fosse. Por que ele enfiara a faca em seu peito e não no dela? Ou fora ela que fizera isso?” Pensava enquanto a dor voltava. Lembrou que deveria limpar o apartamento, estava com mau cheiro.

Passou o dia inteiro limpando, limpando, cada vez que terminava o trabalho, começava tudo de novo. Limpava, limpava! Até que ficou satisfeita, enfim não sentia mais cheiro azedo. A faca criminosa estava em cima da pia, ainda com o sangue de Maurício. Não vira ela lá. Precisava tirar aquele sangue da faca. O sangue de seu amor. Pegou a faca e abriu a torneira da pia deixando a água escorrer em cima do sangue seco. A pia foi ficando vermelha no fundo à medida que o sangue ia amolecendo. Depois de muito esfregar a faca ficou limpa. Era de aço inox, não ficaram manchas. Guardou a faca em seu lugar no faqueiro em cima do balcão da cozinha. Nunca mais usaria aquela faca. Olhou em volta com ar crítico. A cozinha e o apartamento todo estavam impecáveis. Nada de manchas nem de mau cheiro.

O telefone tocou novamente, precisava atender, ou não?

- Alô!

- Clarissa, estava dormindo? Desde ontem que estou ligando e ninguém atende.

- Olá Neuza! Estava dormindo sim. Estou com uma tremenda dor de cabeça.

- Só quero lembrá-la da reunião amanhã de manhã, o conselho vai decidir as novas cadeiras para o próximo ano, e como já estamos em outubro é melhor fazer isso já, assim teremos tempo de organizar os testes dos novatos.

- Sim! Obrigado pela lembrança.

- Tenham um bom domingo e até amanhã!

- Até!

Clarissa falava como um autômato, sem ânimo, sem pensamentos, sem amor. Seu amor se fora. Estava só em seu apartamento, só em sua vida. Seus pais morando longe em outra cidade.

Era melhor ver o que faria amanhã. Não iria mais para a faculdade. Apresentaria uma carta de demissão e pronto. Pensou rápido: “E Maurício? Como justificaria sua ausência?” Pegou o telefone e ligou para Neuza.

- Alô Neuza?

- Sim Clarissa!

Começou a chorar.

- Que você tem menina?

O choro não diminuía.

- Espera que vou aí!

- Não! Não venha! Só quero conversar! O Maurício ontem me deixou, foi embora. Disse que tem outra e não me quer mais.

Do outro lado Neuza ficou quieta por alguns segundos depois disse.

- Pois é querida! Todos sabiam desse namoro! Menos você.

- Sabiam? E ninguém me avisou? Nem para me dar alguma indireta?

- Sabe como é! Ninguém gosta de meter o bedelho nessas coisas. Sexta feira na festa algumas pessoas até comentaram o fato por você estar sozinha. Alguns achavam que você estava sabendo, outros diziam que ele fez você ir sem ele à festa para ficar com a outra.

- Não Neuza, sexta feira na festa eu ainda não sabia de nada. Fiquei sabendo à noite depois que voltei. Ele me comunicou e foi embora. Me deixou!

E o choro voltou intenso e dolorido.

- Quer que vá até aí para conversarmos?

- Não! Prefiro ficar sozinha. Amanhã nos vemos.

- Ok! Você é quem sabe. Até amanhã então.

Deixou o telefone fora do gancho. Não queria mais falar com ninguém. Queria dormir de novo, dormir e não acordar mais. E o choro convulsivo tomou conta de seu corpo que balançava ao ritmo dos seus soluços doloridos. Maurício estava no fundo do mar.

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