terça-feira, 20 de julho de 2010

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Sylvia Araujo - Borrão

Nossas mãos se abraçaram. Apertado, feito menino com medo de escuro - não me envergonho. Aqueles cabelos compridos - fatia de franja beijando a bochecha com displicência - acalmavam meus nervos. Nunca na vida provei boca tão doce, mesmo quando cuspia impropérios. Ela era eloquente. E dia claro - soluço raro nas minhas noites insones. Seu olhar me entorpecia inteiro quando vinha lânguido, cheio de braços a me engolir. E o meu olhar suspirava por ela. Todas as manhãs eu derretia. Tinha dias acordava espinhos, e mesmo enraivecida cheirava a rosas - que tipo de magia ou encantamento tinha emanando pelos poros ou vertendo por entre as pernas, eu não sei. Só sei que eu era dela. Inteiro dela, enquanto me quisesse ao meio. Acontece que Marina era tanto - e tão tudo de uma vez só - que metade era muito pouco pr´aliança de eternidade. E derramamos lágrimas no fazer das malas, e dobramos juntos as meias brancas, e enchemos a cara de vinho tinto antes de fumar, cúmplices e esvaziados, aquele último baseado. No aeroporto - seu all star vermelho roçando de leve as minhas havaianas sujas, suas mãos suadas mastigando os meus dedos frios, eu indo pra perto e ela pra longe de mim - eu tive a absoluta certeza de todas as nossas incertezas. E desse momento em diante, a ausência dela choveu tanto dentro de mim, que o meu coração borrou.


Sylvia Araujo
Imagem: autor ignorado

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