quinta-feira, 26 de agosto de 2010

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Clarissa - Décimo quarto capítulo

XIV



Há quinze dias que Clarissa aproveitava a vida fácil e gostosa da casa de seus pais. Hoje ela sairia após o café da manhã com uns amigos de infância, que a convidaram para um pic-nic à beira do rio, que não era longe. O local escolhido ela conhecia desde criança. Era um sítio onde o rio fazia uma curva, e nas margens havia uma grande quantidade de árvores frondosas. Esse local as pessoas costumavam conservar limpo para poderem brincar e serem felizes quando ali fossem.

Levantou mais cedo que os dias anteriores. Da porta entreaberta vinha um cheiro bom de café coado, bolo assado, pão fresquinho. Vestiu uma calça jeans bem velha, uma blusa de algodão bem leve e um tênis confortável. Puxou os cabelos em rabo-de-cavalo e amarrou uma fita em cima da travessa que o prendeu. Saiu do quarto feliz, foi para a cozinha ver se a mãe precisava de ajuda.

- Não preciso de ajuda querida! Maria está fazendo as coisas, estou só arrumando a mesa. Levantou cedo hoje!

- Sim! Vou sair com uns amigos para um pic-nic. A senhora lembra do Marcos, da Virginia e sua irmã Luiza, do Nandinho e seu irmão Cláudio?

A mãe riu:

- Sim! Claro que lembro! Todos eles após concluírem os estudos na capital voltaram para ajudar os pais com a terra.

- É! Felizes eles por poderem fazer isso. Esta pequena cidade, embora não tenha mar, tem a beleza da Paz e do carinho das pessoas. Coisas que por lá a gente não tem.

A mãe olhou para a linda moça que era sua filha, e viu no verde daquele olhar a tristeza profunda que neles ia.

- Sabe filha! Tudo o que acontece na vida tem a sua razão de ser. Não fique triste.

Pobre mamãe! Pensou Clarissa, se ela soubesse no que me tornei!

Saiu da mesa com o estômago cheio, mas o coração novamente com a estaca enfiada e sangrando. Não podia deixar que a dor de cabeça chegasse. Não aqui! Queria aproveitar a vida boa daquela gente simples e amistosa.

Correu para o banheiro, escovou os dentes vigorosamente como para tirar o peso da alma.

Queria viver! Precisava viver!

Ouviu alguém tocar a campainha da porta da frente. Devia ser o primeiro amigo chegando para buscá-la. Foi para o quarto dar um último retoque na aparência. Sua mãe chegou com um telegrama na mão e disse:

- Espero que sejam boas notícias.

Enquanto Clarissa abria o pequeno envelope do telegrama, sua mãe encostou-se no batente da porta e esperou que ela lesse. Clarissa mudou a fisionomia. De alegre e feliz para uma expressão extremamente preocupada. O telegrama era de Neuza sua amiga, dizia apenas:

"Venha urgente. Sua presença necessária."

O que deveria pedir sua presença tão urgente? Estava ficando com receio e não sabia do quê! Porque ela não telefonara? Antes de sair deixara o telefone dos pais caso ela precisasse ligar por algum motivo. Enviar um telegrama? Coisa mais antiga!

- E daí? – sua mãe perguntou curiosa.

- Nada importante. Apenas uma professora, minha amiga, diz para eu voltar porque precisam de mim lá com urgência.

- E por que ela não telefonou?

- Também me fiz essa pergunta agora mesmo! Mas acho que não é nada tão importante que não possa ir com meus amigos para esse pic-nic.

E falando levantou-se para ir atender a porta. Eram eles. Seus amigos sorridentes em suas calças jeans, camisetas surradas e botas de gente da roça. Como era bom vê-los!

- Nossa como você está linda!

- Obrigada pela gentileza!

Quem a chamara de linda era Nandinho. Ela o olhou e viu que se tornara um belo homem. Alto, grandes e brilhantes olhos azuis, cabelos louro-avermelhado encaracolados encimando um rosto bonito e bem feito. Tinha um corpo de atleta conservado pela luta diária nas roças de seu pai. Era ele que cuidava de tudo, seu pai havia lhe dito.

- Vamos então?- Chamou Virgínia apressando os amigos.

Dois carros saíram em direção ao rio com um bando de jovens alegres e felizes por estarem ali. Felizes simplesmente por existirem.

No local do pic-nic puseram-se a tirar as folhas, estender as toalhas, armar as redes nas árvores, tirar dos porta-malas as cestas com as iguarias. Marcos precavido quanto às formigas, trouxera uma mesa de montar na caçamba de sua camioneta. Triunfante colocou-a embaixo de uma frondosíssima árvore dizendo:

- Se não fosse o Marquinhos aqui, as guloseimas da mãe de Virgínia seriam logo devoradas pelas amigas formiguinhas, moradoras perpétuas desse local. Não que as culpe, as coisas que a mãe dela faz são de dar água na boca!

- Não seja ingrato! Ajudei mamãe fazer tudo! Ficamos ontem até muito tarde para estar tudo muito fresquinho hoje.

Marcos foi até onde ela estava tentando tirar a enorme cesta do porta-malas do carro de Nandinho, e lhe deu um grande beijo na boca. Clarissa não havia percebido que os dois estavam namorando. Olhando para o lado viu Cláudio e Luiza abraçados enquanto carregavam a outra cesta com bebidas e gelo. Rindo e aos beijos os dois traziam a custo a cesta pesada. Bem! Quem diria? Ainda bem que Nandinho não trouxera namorada, senão com quem conversaria?

- Pensativa Clarissa? – perguntou Nandinho.

- Olhando a festa de meus amigos ali! Como são felizes! E você tem namorada?

Nandinho soltou uma grande gargalhada antes de responder.

- Até você? Aqui na cidade não tem nenhum vivente que não tenha me feito essa pergunta, pelo menos dez vezes nos últimos anos depois que voltei. Mas respondo: Não! Não tenho e não quero ter por enquanto.

- Desculpe Nandinho! Foi involuntária a pergunta, mas não deixa de ser descortês, confesso!

- Nem ligue! Já estou acostumado! – e riu com gosto novamente.

Durante o dia todo Nandinho passou ao lado de Clarissa, fazendo dengos, dizendo elogios, aproximando-se a todo instante muito mais perto do que seria realmente necessário. Há certa hora Marcos falou:

- Clarissa como você atura um cara chato desse jeito? Acho que é por isso que ele não tem namorada. É muito grudento!

- Para ser sincera, gosto de atenção. E não o acho chato de maneira alguma!

Nandinho, levantando-se da grama onde estava sentado ao lado da rede, onde Clarissa balançava molemente aproximou-se e lhe um grande beijo na face dizendo:

- Estão vendo? Mulheres cultas e finas gostam de carinho! Só as matutas é que acham que é frescura esse tipo de tratamento. E demais a mais, sou assim, foi assim que me fizeram e não vou mudar.

E correu como um moleque até a beira do rio e jogou uma pedrinha no remanso das águas, ficando a olhar as ondas que seu gesto provocou. Sentou-se na margem e ficou absorto com o olhar no infinito.

Virgínia falou baixinho para Clarissa:

- Ele teve uma grande desilusão com uma garota quando estava no último ano da faculdade. Hoje é arredio com qualquer mulher que se aproxime com intenção de namorar. Nem ligue! Ainda bem que você é casada, e acho que é por isso que não a considera perigosa tratando-a bem.

- Também acho! – falou Marcos – Tenho pena dele. Está sempre muito só, trabalha feito um mouro nas terras do pai. Acho que é para esquecer.

Clarissa olhou para o belo rapaz na beira do rio e foi ao seu encontro. Se ele soubesse quem ela era realmente, nunca a trataria com tanto carinho.

- E aí Nandinho? Temos algum programa para hoje à noite? Gostaria de sair para dançar ou algo assim.

- Mesmo? Vamos providenciar então. Não é sempre que uma gentil mestra da grande universidade vem e quer se divertir com os roceiros daqui.

- Que vocês dois estão cochichando aí? – perguntou Cláudio.

- Estamos marcando uma saída para hoje à noite. Que tal irmos dançar?

- Muito boa idéia! Podemos ir até a cidade vizinha onde tem um restaurante com música ambiente. Que acham? – falou Luiza abraçando o namorado.

- Então precisamos ir andando. Já viram que horas são?

E todos se levantaram, juntaram as cestas, toalhas, garrafas vazias de refrigerantes e água que estavam espalhadas aqui e ali. Deixaram o lugar limpo e sem lixo. Todos na cidade cuidavam para que o local permanecesse sempre impecável par o próximo usuário.

Chegando à casa dos pais Clarissa foi recebida pela mãe:

- Filha! Sua amiga Neuza ligou e pediu para você retornar assim que chegasse.

- Mesmo? Vou tomar um banho primeiro. Depois ligo ok?

- Certo filha! Foi bom o pic-nic?

- Nossa mãezinha! Foi excelente! Eles são maravilhosos. E a propósito, vamos sair para jantar e dançar. Vamos nos divertir mamãe.

E falando Clarissa abraçou a mãe pela cintura e rodopiava com ela como se fosse uma dança maluca.

Após o banho Clarissa demorou a encontrar algo que a satisfizesse para sair. Não trouxera muita roupa, que tola fora! Mas após muito escolher olhou para o espelho e achou que estava bom. O telefone tocou e era Nandinho avisando que já estava chegando para pegá-la. Beijou a mãe no rosto e saiu para a varanda aguardar o amigo.

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