Quando saiu do Laboratório sentiu um perturbante sopro de independência. Estava uma tarde de Novembro resplandecente com fendas do sol entre as nuvens. Chamou um táxi. Lisboa acima endireitou-se no assento com as mãos dentro das luvas de couro pousadas sobre os joelhos. A taxista chama-se Maria Teresa, senhora desprovida de ingenuidade, mas sem a secura do realismo bruto, conta-lhe vaidosa que já tinha sido entrevistada para a televisão no dia internacional da mulher, o conduzir já lhe “curou” as insónias, bicos de papagaio e duas artroses na coluna. Se lhe oferecessem um novo emprego, com o mesmo ordenado e à frente de uma secretária ou empregada numa loja não aceitava. Gosta de andar por aqui e ali, mais livre, mais autêntica e pujante. Em frente à Igreja dos Italianos de Nossa Senhora do Loreto pagou o táxi. De novo na rua começou a caminhar em passo acelerado. Sentia-se desinquieto. Perguntava-se quem poderia ir visitar. Começou a sentir as emoções à flor da pele. Queria conversar com alguém com talentos psicológicos na análise da alma humana, dar-lhe conta da sua existência, da fragilidade das suas conquistas, da vida de um biólogo negro de aguçado espírito científico que pretende escapar à corrupção do seu país e que agora pertence à casta dos eternos bolseiros de investigação. Pequenos nadas, no fundo para encarar a vida que a todo o instante lhe escapa. Junto à fachada principal do D. Maria II percorreu os endereços gravados no telemóvel. Passar em revista amizades recentes provoca-lhe um certo arrepio, nomes gravados como sombras de fantoches pendurados por invisíveis cordéis. Qualquer coisa pulsou dentro de si ao chegar a um contacto desconhecido, como se fosse o apelido de um ser tresandando a pecado, quem sabe alguém com quem teclara fora de horas num chat chamado desejo.
O vento da manhã surpreende-o a caminhar por uma rua miserável. O sol espreita por entre a névoa e reflecte-se nas carcaças de automóveis. Acelera o passo para fugir ao cheiro e à paisagem, àquele ambiente de fracasso. Sente o corpo fraco, um fantasma de tímido aspecto; os sapatos começam a massacrar-lhe os dedos grandes, como agulhas a furar a pele. No cruzamento mais próximo há um café de aspecto triste prestes a desabar a qualquer minuto. Sem alternativa gasta os últimos euros num bolo de noz. Lá fora parou um camião volkswagen para transporte de móveis.
- Desculpe, dá-me uma boleia? – pergunta ao indiano que está ao volante.
- Para onde é que vai?
Sem querer, uma lágrima escapasse-lhe através das pálpebras, escorre pela cara até chegar à boca. Tão só uma lágrima. Nem sequer desliza como se fosse dele, mais parece o brilho dum diamante.
Luís Galego
O vento da manhã surpreende-o a caminhar por uma rua miserável. O sol espreita por entre a névoa e reflecte-se nas carcaças de automóveis. Acelera o passo para fugir ao cheiro e à paisagem, àquele ambiente de fracasso. Sente o corpo fraco, um fantasma de tímido aspecto; os sapatos começam a massacrar-lhe os dedos grandes, como agulhas a furar a pele. No cruzamento mais próximo há um café de aspecto triste prestes a desabar a qualquer minuto. Sem alternativa gasta os últimos euros num bolo de noz. Lá fora parou um camião volkswagen para transporte de móveis.
- Desculpe, dá-me uma boleia? – pergunta ao indiano que está ao volante.
- Para onde é que vai?
Sem querer, uma lágrima escapasse-lhe através das pálpebras, escorre pela cara até chegar à boca. Tão só uma lágrima. Nem sequer desliza como se fosse dele, mais parece o brilho dum diamante.
Luís Galego
Imagem enviada pelo autor
2 comentários
Quem é este ser completamente perdido? Será real ou ficção?
Que tremendo momento de tristeza....Num mundo irreal gostaria de conhecer este homem....
não para transmitir a tristeza que sinto agora, mas para lhe falar de tanta coisa...das fracções de plena alegria que um nada nos pode dar!!!
e_howards@hotmail.com
Postar um comentário