sexta-feira, 27 de agosto de 2010

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mais parece o brilho dum diamante... - Luís Galego

Quando saiu do Laboratório sentiu um perturbante sopro de independência. Estava uma tarde de Novembro resplandecente com fendas do sol entre as nuvens. Chamou um táxi. Lisboa acima endireitou-se no assento com as mãos dentro das luvas de couro pousadas sobre os joelhos. A taxista chama-se Maria Teresa, senhora desprovida de ingenuidade, mas sem a secura do realismo bruto, conta-lhe vaidosa que já tinha sido entrevistada para a televisão no dia internacional da mulher, o conduzir já lhe “curou” as insónias, bicos de papagaio e duas artroses na coluna. Se lhe oferecessem um novo emprego, com o mesmo ordenado e à frente de uma secretária ou empregada numa loja não aceitava. Gosta de andar por aqui e ali, mais livre, mais autêntica e pujante. Em frente à Igreja dos Italianos de Nossa Senhora do Loreto pagou o táxi. De novo na rua começou a caminhar em passo acelerado. Sentia-se desinquieto. Perguntava-se quem poderia ir visitar. Começou a sentir as emoções à flor da pele. Queria conversar com alguém com talentos psicológicos na análise da alma humana, dar-lhe conta da sua existência, da fragilidade das suas conquistas, da vida de um biólogo negro de aguçado espírito científico que pretende escapar à corrupção do seu país e que agora pertence à casta dos eternos bolseiros de investigação. Pequenos nadas, no fundo para encarar a vida que a todo o instante lhe escapa. Junto à fachada principal do D. Maria II percorreu os endereços gravados no telemóvel. Passar em revista amizades recentes provoca-lhe um certo arrepio, nomes gravados como sombras de fantoches pendurados por invisíveis cordéis. Qualquer coisa pulsou dentro de si ao chegar a um contacto desconhecido, como se fosse o apelido de um ser tresandando a pecado, quem sabe alguém com quem teclara fora de horas num chat chamado desejo.

O vento da manhã surpreende-o a caminhar por uma rua miserável. O sol espreita por entre a névoa e reflecte-se nas carcaças de automóveis. Acelera o passo para fugir ao cheiro e à paisagem, àquele ambiente de fracasso. Sente o corpo fraco, um fantasma de tímido aspecto; os sapatos começam a massacrar-lhe os dedos grandes, como agulhas a furar a pele. No cruzamento mais próximo há um café de aspecto triste prestes a desabar a qualquer minuto. Sem alternativa gasta os últimos euros num bolo de noz. Lá fora parou um camião volkswagen para transporte de móveis.
- Desculpe, dá-me uma boleia? – pergunta ao indiano que está ao volante.
- Para onde é que vai?
Sem querer, uma lágrima escapasse-lhe através das pálpebras, escorre pela cara até chegar à boca. Tão só uma lágrima. Nem sequer desliza como se fosse dele, mais parece o brilho dum diamante.

Luís Galego



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2 comentários

Anônimo

Quem é este ser completamente perdido? Será real ou ficção?
Que tremendo momento de tristeza....Num mundo irreal gostaria de conhecer este homem....
não para transmitir a tristeza que sinto agora, mas para lhe falar de tanta coisa...das fracções de plena alegria que um nada nos pode dar!!!

Luís Galego

e_howards@hotmail.com