Escrevi a crônica abaixo em novembro de 2007. Um fato pronfundamente triste que ocorreu numa cidade do meu querido Estado do Pará. Renovo, hoje, sua publicação em virtude da justiça dos homens ter punido, em julho deste ano, quatro delegados que estavam envolvidos nesse hediondo crime. Pouco, ainda, para reparar os danos causados a uma menina brutalizada em sua carne, em sua alma, no andar da sua vida. Um começo, no entanto, para reparar a indiferença dos homens.
Noélio A. de Mello
Escrevo pensando nessa menina de quinze anos que presa numa cela junto a vinte homens é o mais triste retrato da miséria espiritual da parte podre da humanidade. Qual crime tão gigantesco ela cometeu para sentir que ainda tão cedo sua madrugada de criança já foi sabotada e horrorizada pela vida? Homens brutalizados a seviciaram de todas as maneiras. Homens insensíveis que sabiam da sua absurda situação não respeitaram sequer seus direitos de menor, de mulher, de cidadã, de ser humano.
Escrevo pensando na sua carne maculada por mãos vazias de compaixão, cheias das imundícies comuns a suas vidas desatinadas. Escrevo imaginando as feridas de suas pobres entranhas recebendo o fel da crueldade e da perversidade miserável dos homens. Fico a pensar, quem poderá curar as chagas da humilhação tatuadas para sempre na sua alma quase infantil? Escrevo pensando nos seus familiares. Nas suas dores nascidas da revolta que irrompe da injustiça.
Escrevo pensando nas insensíveis mãos que a encarceraram sem a preocupação de saber se ficaria isolada das muitas asquerosas digitais que deixaram escritas na sua pele de menina uma das mais vergonhosas páginas da violação dos direitos humanos do nosso Estado. Escrevo com meu olhar matizado na tinta rubra da vergonha de saber que, quase ao alcance das nossas almas, dos nossos olhos, uma filha da infelicidade era violada pelo menos cinco vezes ao dia dentro de uma cela gelada de sentimentos, de piedade ou compaixão.
Escrevo, estarrecido, por saber que uma menina que virou um triste cardápio humano - e com a alma em retalhos - diariamente era o prato principal do hediondo banquete de sexo para alguns homens desprovidos de um risco sequer de bondade.Escrevo sabendo que esses monstros encarcerados cometeram suas barbaridades sem ser incomodados pelos que deveriam zelar pela integridade da pobre prisioneira, triste refém da covardia, da insensibilidade, da indiferença e do desprezo do mundo.Escrevo e penso que se vivo fosse, Rui Barbosa rotularia esses assassinos da moralidade, esses bandoleiros urbanos hábeis em cometer crimes contra a honra alheia de “os mais indigentes dos indigentes”.
Quem poderá absolver tantos culpados? Quem explicará tanto descaso? Quem será capaz de recuperar a autoconfiança da menina traída em seus devaneios juvenis? Escrevo pensando: por que existe no mundo tamanha diferença de sorte? Todos deveriam, nessa idade, ser felizes, pelo que são sonhadores. Mesmo com os corações moídos pela pobreza, carregam consigo gotas de esperança de um dia poderem pensar na felicidade relativa, sem a necessidade de acordar nos braços gelados da desventura.
Mesmo diante desses tristes fatos, não desisto de acreditar nos homens. Exigimos, sim, como cidadãos, que providências urgentes sejam tomadas para apontar e punir tantos culpados. E que Deus ilumine nossos governantes para que a aritmética da generosidade não continue a injuriar os devaneios do grande pedaço da população que se equilibra como pode na linha da pobreza extrema. E que seja urgente o finalizar da apuração desse triste caso, para que essa vítima de hoje possa beber, rapidamente, da taça onde borbulha a água benta da justiça. Que no futuro, em algum lugar, esse hediondo e inesquecível crime não passe despercebido ao corretivo indispensável. Deus não dorme jamais!
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