domingo, 15 de agosto de 2010

1

FILOBÔNIO FILÓ - parte 09

- o artista de rua

Numa calçada do centro, cercado de gente, está o
computador. Instalado sobre um frágil caixote de feira ele
controla, sozinho, dez máquinas de escrever. Ao seu lado, de
braços cruzados, o artista de rua conversa com Filó, antigo
apreciador dessas manifestações populares:
- ... porque esse negócio de comer gilete já era – diz o artista.
– Bolas de bilhar e cacos de vidro também são coisa do passado. Os
companheiros que tão por aí fazendo esse tipo de arte tão por
fora, não sabem ler as cartilhas do futuro. Não são que nem eu,
que sou formado e freqüentei academia, conheço geografia e sei
até multiplicar. Não são não. É por isso que eu coloquei dez
maquininhas plugadas no computador, ‘tendeu? Antigo e moderno
na mesma função. E na rua, que é a minha oficina, a minha casa, o
lugar onde tudo começa. Pra que eu quero saber de galeria? Pra
trancar a minha arte, a minha idéia? Quero isso não, não preciso.
Até a reportagem já teve aqui pra ver, disseram que vão mandar
pra fora, pros estrangeiros pela Internet. Não é bacana?
- Bacana – concorda Filó, sem mais nada a acrescentar,
enquanto as máquinas de escrever cospem cartas, relatórios,
poemas até.

- o grande Atlas universal ilustrado

Acometido por uma irresistível preguiça, Filó, deitado numa
rede estendida entre a cozinha e a sala, imagina as delícias de
uma viagem à China: As grandes muralhas, pensa, ah!, as grandes
muralhas... Quantos quilômetros? Não sei, sei não.
Na rede, viajando, Filó pensa agora na França: os queijos, os
vinhos, humm! Délicieux. E os castelos, os castelos do interior, as
catedrais escondidas? Muito longe, longe demais? Não sei, sei não.
Balançando na rede, pra lá e pra cá, Filobônio adormece – e
sonha: Londres, Praga, Nova Iorque, Caruaru. Aparece um garoto
(que Filó reconhece ser ele mesmo quando criança) com uma
enorme mochila nas costas, um garoto que pergunta: Tio, falta
muito? Filó responde: não sei, sei não – e desperta.
Na rede, balançando, Filó avista, na estante de livros, o
Grande Atlas Universal Ilustrado. Já que não sabe as distâncias, o
jeito é consultar o livro. Mas ele tá longe, na estante, muito longe.
Vou lá não – é o que pensa Filó, balançando na rede, tornando a
dormir.

- o encontro

V. EXISTE? – Procuro homem que me dê segurança em todos os
sentidos. Advogada, 30ª., bonita, inteligente e honesta. Procuro
um homem de até 42ª., que tenha boa aparência, bom nível e
boas intenções. Se v. é assim, ligue 3333. M.P.
Diante do espelho Filó confere: boa aparência? É claro que
sim!., a melhor. Bom nível? Mais que bom! As melhores intenções,
naturalmente, porque é um sujeito educado. E segurança em todos
os sentidos. Por que não tentar? A moça, afinal, diz no anúncio que
é bonita, inteligente e honesta. Pode estar precisando de um
Filobônio charmoso, por que não?
Encontro já marcado, um Filó desesperado diante do espelho.
Boa aparência? Ele agora desconfia. A gravata não combina com a
camisa, a camisa não combina com o terno, o terno não combina
com nada. Mas e se ela não gostar de homens formais no primeiro
encontro, preferir os tipos mais esportivos? Mas ela é advogada, tá
no anúncio, deve estar acostumada aos ternos e às gravatas. Por
isso mesmo, seu burro!, terno e gravata ela vê todo dia, usa algo
mais leve, algo mais jovem, caramba!
Horas depois, um trêmulo e ansioso Filó aguarda num bar.
Primeiro encontro, não dá pra disfarçar. E as mulheres entram,
sentam, bebem, saem, voltam outras. Filó observa cada uma
delas: essa? Não. Aquela ali? Não, não pode ser, muito velha.
Aquela outra? Pode até ser, olha o jeitão. Ah, mas não, não pode,
essa é vesga, tadinha...
Horas e horas mais tarde, um Filó cansado de esperar caminha
pela rua. Sozinho. No mesmo instante, chega ao bar uma advogada
de 30ª., bonita inteligente honesta, como no anúncio.

- filosóficas VIII

- rima
de
oficina:

amor

tece
dor

- pelo celular

Sentado num banco do centro comercial da cidade, Filó
observa os homens e as mulheres. E ri, porque os homens e as
mulheres, mesmo quando juntos, falam sozinhos, cada qual no seu
celular.
Falam e falam e falam os homens, falam e falam e falam as
mulheres. Com o Japão, Nova Iorque, Botucatu. Com a Inglaterra,
Jamaica, Carandiru. Falam aqui, falam ali, falam longe e falam
perto, que é pra isso mesmo que servem esses trecos.
Quando o papo telefônico acaba, homens e mulheres
finalmente se dão conta uns dos outros. E se encantam. Mas é aí
que mora o problema: assim tão perto, cara a cara, conversar o
quê?
- Facinho – interrompe o cupido Filó. – Um pega o número do
outro.
Homens prum lado, mulheres pro outro, começa então a
conversa romântica – pelo celular.

1 Comentário

Paola Rhoden

Acompanhando o filó. Abraços.