terça-feira, 31 de agosto de 2010

1

Sucinta História da Poesia Brasileira - Sonia Regina

" Anchieta escrevendo na areia" - óleo de Benedito Calixto, pintor paulista [1853-1927] e
 um dos maiores expoentes da pintura brasileira do início do século XX  




Introdução  

Os versos, além de forma sublime da escrita, facilitam a memorização: nas obras do passado, a escrita era prescindível. E o foi até o século XVIII, quando explodiu finalmente com o surgimento dos romances ingleses. Vinculada à escrita por sua extensão, a prosa só se tornou hegemônica com o surgimento e a consolidação do jornalismo. No Brasil a introdução da tipografia se deu em 1808, com a chegada da família real. Entre 1843 e 1844, devido à sua proliferação e à difusão dos jornais, surgiu no Brasil o romance.
Certamente o desenvolvimento literário no Brasil está relacionado às contingências econômicas, políticas e sociais do país. Com os três séculos de subordinação colonial e a escravidão, nos interrogamos acerca de quando se iniciou uma literatura realmente nacional, que requereria a presença do povo não apenas como personagem, mas também como autor e público, fazendo e consumindo a arte que produz.
O Brasil deixou de ser colônia em 1822 e o período colonial da nossa literatura abrangeu o Quinhentismo, o Barroco e o Arcadismo.


Quinhentismo (1500-1600)

Nos primeiros cem anos do chamado “Descobrimento” a nossa literatura esteve atrelada aos registros históricos e relatórios dirigidos à Coroa Portuguesa: era uma literatura de informação.
Os relatórios dos colonizadores portugueses traziam implícita a marca cultural européia e eram meramente descritivos: relatavam da fauna, da flora, dos indígenas, da terra que, como disse Caminha, “em se plantando, tudo dá”. Eram crônicas não-literárias, mas com grande valor histórico.
A Carta de Pero Vaz de Caminha, o primeiro relato extenso sobre o Brasil, enviado a D. Manuel tão logo aqui chegaram em 1500, é um documento precioso da nossa história.
Outros documentos da época eram os diários de viagem, das expedições guarda-costas, a princípio, em seguida das exploradoras e, por fim, das colonizadoras. Narravam eventos e apontavam observações náuticas e geográficas, o que as configurava como documentos de interesse para a história marítima de Portugal e para a da colonização do Brasil. Houve algumas outras obras, sempre essencialmente informativas: mas prosa, não poesia.
Na poesia o destaque é o jesuíta José de Anchieta, que escreveu poemas líricos e épicos. Escreveu nas areias das praias de Iperoig, atual Ubatuba, em São Paulo, com seu bastão: foram 4072 versos latinos de puro afeto à Virgem Maria. Anchieta veio para catequizar os indígenas e fez muito mais que isso: fundou a cidade de São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia e foi professor, entre outras atribuições e funções que acumulava.


Barroco (1601 – 1768)

Nas artes em geral, em todo o mundo, no Barroco houve um culto exagerado da forma. Na poesia brasileira isso se viu numa sintaxe rebuscada e no abuso de figuras de linguagem, o que foi questionado pelos poetas do Arcadismo.
Mas houve especificidades no Barroco brasileiro que o distinguiu do português, literatura à qual a nossa mantinha-se atrelada como um carro-reboque. Iniciou-se na poesia uma tendência nativista e uma lírica amorosa na qual a mulher aparecia enaltecida, sendo louvada por sua beleza e, ao mesmo tempo, exorcizada pelo perigo que representava.
Bento Teixeira, ao publicar o poema épico Prosopopéia, inaugurou o Barroco brasileiro, no qual também se destaca Gregório de Matos.


Arcadismo (1769 – 1789)

Também chamado de Escola Mineira, o Arcadismo se praticava no Brasil – ainda que sem um academicismo nos moldes da Arcádia Lusitana - por um grupo de intelectuais que incluía os inconfidentes (Movimento político para libertação de Portugal, chamado Conjuração ou Inconfidência Mineira). Principiou com a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa, e se encerrou com o fim trágico da Inconfidência, em 1789, quando foi enforcado e esquartejado o ‘mártir da inconfidência’ Tiradentes, herói nacional.
Os poetas arcádicos retomaram os modelos do Classicismo do século XVI com o soneto de versos decassílabos e rima optativa e o épico. Apesar de poetas urbanos, estavam presentes em seus poemas a paisagem mineira, as coisas da terra, um forte sentimento nativista, a presença do índio e a sátira política aos tempos de opressão portuguesa e corrupção dos governos coloniais.
Destacam-se Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão e Basílio da Gama.


Romantismo (1ª metade do séc. XIX)

O ‘espírito romântico’ continuou, após o ‘espírito revolucionário romântico’ inconfidente. Em 1836 Gonçalves de Magalhães publicou o livro de poemas "Suspiros poéticos e saudades". Essa publicação e a da revista “Niterói”, para a qual escreviam poetas e letrados, marcaram o início do Romantismo no Brasil.
Numa estética inovadora o Romantismo criou uma nova linguagem, capaz de refletir os ideais nacionalistas, uma de suas características essenciais.
Primeira geração romântica: a poesia indianista, extremamente nacionalista. Destacam-se Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, o nosso melhor poeta indianista.
Segunda geração romântica: a poesia da angústia, melancolia, do lamento e amores impossíveis. Destacam-se Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Junqueira Freire.
Terceira geração romântica: Influenciados por Victor Hugo, os poetas dessa geração valorizavam a poesia engajada em lutas sociais. Também chamada “geração condoreira", que tinha como símbolo o condor, que voa alto – pretendia uma poesia de efeito que tocasse o coração das massas. Destaca-se Castro Alves, cuja causa era a abolição da escravatura.


Parnasianismo e Simbolismo na Poesia, Realismo na Prosa

(2ª metade do séc. XIX- duas primeiras décadas do século XX)


Alfredo Bosi assim descreve o movimento: "O Realismo se tingirá de naturalismo no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das "leis naturais" que a ciência da época julgava ter codificado; ou se dirá parnasiano, na poesia, à medida que se esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito".
O simbolismo retomou o subjetivismo e o espiritualismo banidos da literatura pelo objetivismo realista. Na poesia parnasiana a linguagem se caracterizava pelo trabalho artesanal cuja perfeição e o virtuosismo tendiam à transitoriedade e ao isolamento.
No entanto, esse era um Brasil em que a divisão de classes era profunda, definida sobretudo pela diferença entre senhores e escravos, e a literatura exprime essas diferenças. A capacidade artística começou a ter um papel social e surgiu a idéia nas classes dominantes de que esse artesanato fosse uma criação requintada, requinte esse não próprio das classes menos favorecidas.
Principais autores: Simbolistas: Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens; Parnasianos: Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Raimundo Correia


Modernismo (1922 a 1945)

A Semana de Arte Moderna marcou a data (1922), sem dúvida, do rompimento definitivo com a arte tradicional. Cansados da mesmice na arte brasileira e empolgados com inovações que conheceram em suas viagens à Europa, os artistas quebraram as regras preestabelecidas na cultura.
A primeira fase (1922 a 1930) caracterizou-se pelas tentativas de solidificação do movimento renovador e pela divulgação de obras e idéias modernistas.
Imbuídos da convicção de que se faziam uma arte nova com um novo espírito, os primeiros modernistas ridicularizavam o parnasianismo, movimento artístico em voga na época que cultivava uma poesia formal.
Propunham uma ruptura com princípios e técnicas, uma renovação radical na linguagem e nos formatos.
Dentre os muitos poetas que fizeram parte da primeira geração do Modernismo destacamos Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida.
Na segunda fase do modernismo (1930 a 1945) a poesia brasileira não mais necessita quebrar com os meios acadêmicos - tônica da Geração de 22.
No aspecto formal, o verso livre foi o melhor recurso para exprimir a sensibilidade do novo tempo.
Caracterizada como uma poesia de questionamento, levou adiante o projeto de liberdade de expressão com poetas como: Carlos Drummond de Andrade, com poesias sociais e de combate e reflexões sobre o papel do homem no mundo; Jorge de Lima, com poesias metafóricas e metafísicas; Murilo Mendes, com poesias surrealistas; Vinícius de Moraes, cuja poesia caminha cada vez mais para a percepção material da vida, do amor e da mulher, e Cecília Meireles, que envereda pela direção da reflexão filosófica e existencial.


Pós-Modernismo

A conquista do sublime literário pela poética modernista correspondeu à sua progressiva pedagogização, oficialização, daí porque se usa a palavra cânone e a expressão modernismo canônico.
Alto Modernismo - O modernismo viu completada sua dialética na fase canônica do alto modernismo, configurando-se enquanto totalidade. É inerente ao conceito de alto modernismo a noção de que corresponde ao fechamento, momento de completude. Quando já não se pode mais ser completado, diz Derrida do suplemento, a repetição de traços modernistas passa a dar-se num espaço fora, propício a deslocamentos.
1968 definiu o início de um primeiro momento pós-modernista, ainda contracultural, em que se combinavam elementos de vanguardismo e pós-vanguardismo. O pós-modernismo diz mais respeito a um contexto cultural e histórico que propriamente a traços estilísticos.
A tradição da ruptura, que foi a idéia que se estendeu desde o Romantismo, foi chegando a um momento de esclerose. Como diz Octavio Paz (citado por Santiago:2002), ‘a arte moderna começa a perder os poderes de negação (...); a negação deixou de ser criadora’. A estética da ruptura vai chegando ao fim e no ocaso das vanguardas emerge o pós-moderno.
A geração 70 escrevia num coloquial chegado à gíria, como Paulo Leminski, os da geração 90 optaram por um coloquial mais “nobre”.
1980 foi pós-vanguardista, pós-contracultural, intelectualmente marcado pela superação acadêmica de diversos aspectos do estruturalismo e do marxismo.
Os anos 80 foram a década yuppie, que enterrou os valores da contracultura e revalorizou o saber, então empacotável como produto de consumo cultural, pedagógico. Cresceu a preocupação com o caráter funcional e pedagógico das manifestações artísticas.
Destacam-se nos anos 80 Ana Cristina César, Adélia Prado e Manoel de Barros.
A poesia marginal trouxe de volta a questão do sujeito e o valor do subjetivo na poesia. Poesia: discurso da intimidade. Mas a subjetividade pós-moderna já não é a mesma da 1ª metade do século XX. O sujeito pós-moderno existe na moldura da visibilidade total e o sujeito poético é uma projeção desse novo tipo de indivíduo.




BIBLIOGRAFIA


ANDRADE, Mário de. O movimento modernista (1942) e A poesia em 1930. In: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins Fontes.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix
MORICONI, Italo. Pós-modernismo e volta do sublime na poesia brasileira. In: Poesia hoje. Rio de Janeiro: EdUFF, 1997.
SANTIAGO, Silviano. Permanência do discurso da tradição no modernismo brasileiro. In: Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Graphia

1 Comentário

Paola Rhoden

Excelente trabalho. Parabéns.