terça-feira, 7 de setembro de 2010

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Arte como terapia inclusiva - Prisca



Desde o nascimento e por toda a sua existência o homem interage com o meio em que vive através de manifestações culturais. Estas manifestações possibilitam o diálogo do homem com o mundo, assim somos capazes de aprender e produzir em nosso cotidiano. Através da produção efetivamos nossa capacidade criativa e nos humanizamos. Poderíamos dizer então que a relação entre a função social da arte e a sociedade seria a apropriação do conhecimento de um fazer artístico de formas novas e diferentes de ser e estar presente no mundo e de nos relacionarmos com os outros. Nessa dinâmica de socialização, seremos capazes de nos perceber e aos outros, havendo a promoção do crescimento físico e emocional positivo com habilidades de enfrentamento da realidade.
A arte como terapia vem ocupando cada vez mais espaço nas políticas de atenção em saúde associada a outras terapêuticas. Ocupa lugar privilegiado na nova política de Saúde Mental do governo brasileiro que busca reduzir programadamente os leitos psiquiátricos, qualificando, expandindo e fortalecendo a rede básica de atenção a saúde. Garantir tratamento digno e qualidade de vida é a meta da Reforma Psiquiátrica. A criação dos CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, visa a reversão do modelo hospitalar e residências asilo. Dentre outras é função dos CAPS promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. (http://portalweb05.saude.gov.br).
A atenção básica em saúde mental e a assistência psiquiátrica de base comunitária através do CAPS têm também como objetivo aumentar os cuidados aos portadores de transtornos mentais, nas cidades em que vivem privilegiando a sua territorialidade.. A partir dessa proposta admitem-se equipes multiprofissionais aptas ao acolhimento da demanda. Esta equipe visa proporcionar aos usuários dos CAPS qualidade de vida e autonomia. Neste aspecto entra as oficinas artísticas como instrumento de ajuda na promoção da inserção social tornando-os usuários do serviço sujeitos do processo; capazes de planejar o próprio trabalho exercendo sua cidadania. Para a realização de oficinas os espaços propiciam “experimentações constantes” (Delgado, Leal &Venâncio 1997).

Atualmente vários profissionais da saúde já percebem a importância das manifestações artísticas[1] como instrumento de inserção social. O conceito “desfiliação social” está no fato de o individuo ser rejeitado pela sociedade por não se adequar as regras a ele impostas (CASTEL, 1995). Este individuo acolhido na arte tem a possibilidade de transformar seu repertório de vivências em linguagem artística. A bagagem cultural[2] de cada indivíduo aflora e estabelece uma conexão de inserção família/comunidade. A reelaboração de sentimentos interiores através da produção artística possibilita a este indivíduo participar dialeticamente da vida se permitindo criar novos “mundos” (RAUTER,2000).

Podemos entender que uma condição fundamental para a criação construtiva em arte é estabelecer uma reflexão de sentido, talvez um centro interior avaliador. Então a criação construtiva torna-se terapêutica. Neste sentido as oficinas de arte podem funcionar como terapia, e mais, a viabilidade e importância das oficinas como tratamento na área de saúde mental é uma prática que vem somar ao acompanhamento medicamentoso e tratamento psicoterápico individual, propondo uma ruptura das práticas psicológicas tradicionais. Esta importância é maior ainda quando estas atividades artísticas são desenvolvidas por uma equipe de saúde mental.

Oficinas de arte na saúde mental reforçam a teoria Junguiana; a arte propicia o encontro com materiais expressivos e adequados para a criação que está presente na imaginação do individuo, e este universo é traduzido em símbolos que retratam estruturas psíquicas internas do inconsciente pessoal e coletivo. Podemos dizer que uma das finalidades da arte é estimular a sensibilidade e a criatividade, importantes para a formação do individuo, pois amplia a capacidade cognitiva, afetiva e expressiva do sujeito. Portanto as manifestações artísticas podem ser um instrumento de inserção social diminuindo a discriminação e promovendo, em parceria com diversas outras ações sociais, a cidadania (VALLADARES 2004).

Na arte todas as possibilidades são acolhidas; admitem-se as cores e a ausência delas. O som e o silêncio. O movimento e a inércia. A luz e a sombra. A alegria e a tristeza. O nascimento e a morte. Não importa se quem pintou um quadro é negro, branco, ateu, mulçumano, feio ou bonito, doente ou são, homem ou mulher. Interessa é a mensagem exteriorizada na simbologia das pinceladas na tela, e no efeito transformador no indivíduo que a produziu.



CASTEL, R 1995. Les méthamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat.Edit.Fayard, Paris.
DELGADO, LEAL & VENÂNCIO O campo da atenção psicossocial, Anais do 1º Congresso de saúde Mental do Rio de Janeiro1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983RAUTER, C. Oficinas pra quê? Uma proposta ético-estético-política para as oficinas terapêuticas. In:
VALLADARES, A. C.A. (Org.) (2004 Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental).



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[1]Pintura, escultura, arquitetura, música, teatro, dança, cinema, fotografia, literatura.
[2] Paulo Freire chama a essa cultura da pessoa de "cultura popular". Entendo que é toda a experiência cultural apreendida fora da escola, na vida, no convívio da família; as tradições e os costumes.

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