terça-feira, 7 de setembro de 2010

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Uma Colher de Shoyu - Thabata Lima Arruda

Confirmo a minha existência fumando um ou dois cigarros e contando as bitucas que vão ficando nos vãos do sofá. Quatorze bitucas, eu existo.

São 19:47h, as 20:00h Pietro chega. Vou cozinhar aquele macarrão com formato engraçado de laço e preparar molho vermelho com pouca coisa de sal e uma colher de shoyu. É o favorito dele. Por enquanto continuo confirmando minha existência com mais um cigarro. Só mais um e o maço acaba.
19:53h. Daqui a pouco ele está aí, me chamando de “meu bem” pra lá e pra cá. Pedindo carinho, dinheiro, sexo e mais um pouco. E eu dou. Tudo. Até macarrão com uma colher de shoyu no molho.
Juntei todas as bitucas dos vãos do sofá, ele não gosta que eu fume, diz que é como beijar um cinzeiro, e com essa tal lei que está nas placas e na TV eu deveria parar. Ele é tão correto. E eu? Só fumo e morro a cada trago.

A água está fervendo e já são 20:00h. Talvez ele se atrase, como sempre. Mais trinta minutos e Pietro aparece com alguma desculpa sem cabimento, alguma mentira sem talento, algum queixume manhoso para me comover. E eu? Aceito tudo.

Tudo preparado: o molho com pouco sal e… Esqueci o shoyu. Pronto. Uma colher e nada mais. Só uma colher para encorpar, como diz Pietro. Ele é tão sofisticado e eu só sei sobre macarrões com formato engraçado de laço.

20:43h e tudo está frio. O macarrão, o molho, a casa e a cama. Acabei de escovar os dentes, mas resolvi fumar mais alguns cigarros, só para ter a certeza que ainda existo. Daqui a pouco ele aparece. Pedindo uma dança. Um tango, provavelmente. Daqui a pouco ele aparece e seca essas lágrimas. Ele dirá que traições são perdoáveis e que odeia me beijar quando fumo. Então vou esquentar o molho do nosso macarrão e ele, além de me perdoar, dirá que sou um homem bom, e que existo, ao menos para ele.

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