XVI
Dois dias depois Clarissa retornou à capital sem se despedir dos amigos de infância. Tomou um ônibus bem cedo, não queria platéia na sua partida. Estava triste e apreensiva. Neuza ligara mais duas vezes deixando-a preocupada. O que poderia ser de tão grave?
Quando chegou ao apartamento ligou para ela.
- Estou em casa. Quando quiser pode vir.
Entrou no quarto e foi tomar um banho. Nem havia se enxugado e o interfone tocou. Era Neuza!
- Puxa! Deve ser muito grave mesmo para você vir assim tão depressa.
- E é amiga. É muito grave!
Neuza sentou-se no sofá próximo à janela e começou a falar:
- Você conheceu Ruth na festa daquele dia?
- Ruth? Sim. Ela se apresentou de uma maneira pouco amigável.
- Então sabe quem era uma das amantes de seu marido!
- É!
- Ela é professora de direito, promotora na vara criminal entre outras coisas. Solteirona, mal amada, não sei o que Maurício achava nela. Mas, vá lá, ela é realmente bonita.
- Sim é!
- Então! Ela está armando um fusuê danado! Procurou a mãe de Maurício e colocou um monte de caraminholas na cabeça dela, e está instigando essa investigação de próprio punho. Acho que os policiais estão fazendo essa confusão toda porque a mal amada não os deixa em paz. Mas, para encurtar a história, estamos todos sendo arguidos para serem os nossos depoimentos colocados nos autos. Nem o diretor da faculdade passou em branco. Ainda bem que todos falam a mesma língua. Maurício era um devasso nessa questão de mulheres. E a tal Ruth não quer aceitar que ele fugiu com alguma de suas amantes, pois se considerava única e com direitos, porque, segundo ela, ele estava abandonando você para ficar com ela. Arre! Não se enxerga!
Enquanto Neuza falava, Clarissa via o marido caído ali perto da pia, e depois descia pelas águas límpidas do mar. Por que ele não deixou ela enfiar a faca no próprio peito? Por que virou em sua direção? Não lembrava muito bem! Ela o amava tanto! Aquela pia fora ele que escolhera. O granito branco reluzente refletia a luz que vinha da janela. O piso da sala estava limpo e brilhante. Ela lavara bem, estava bonito! Ruth?
- Clarissa está me ouvindo?
- Sim Neuza! Continue.
- Se lhe faz mal eu paro.
- Não! Continue, é interessante ouvir falar de meu marido com sua amante interessada em saber onde ele está. Eu também gostaria de saber.
E não era mentira! Gostaria de saber se os tubarões o comeram, ou um cardume de piranhas, quem sabe? E os outros?
- Amiga! Vou parar por aqui! Sua fisionomia está transfigurada. Mas olhe. O que eu quero mesmo é avisá-la que você vai ser interrogada novamente, e a maluca quer estar presente no interrogatório. Você vai prometer que me avisará quando isso for acontecer. Quero ir junto, ok?
- Certo! Avisarei!
- Vou ficar aqui um pouco até seu rosto voltar ao normal.
- Não precisa Neuza! Só estou cansada, mal pude tomar meu banho, como vê, ainda estou com a toalha.
- Desculpe querida amiga! Na ânsia de avisá-la nem previ que estaria cansada da viagem. Volto amanhã para conversarmos mais, ok?
- Está bem! Esperarei.
Quando Neuza saiu Clarissa voltou para o quarto. No armário junto com suas roupas ainda estavam as roupas de Maurício. Procurou uma camisa dele e vestiu. Era uma camisa vermelha que o deixava tão lindo quando a vestia!
Por baixo estava nua. A dor no peito estava alastrando para o braço. A dor de cabeça estava aumentando gradativamente. Foi até a cozinha e falou ao interfone para o porteiro enviar alguém para pegar uma chave, que queria que fosse entregue a sua amiga que viria amanhã. O nome era Neuza.
- Tudo bem Dona Clarissa. A senhora quer que envie sua correspondência? A caixa está muito cheia.
- Está bem! Mande!
Depois de alguns minutos um dos rapazes da limpeza bateu na porta. Clarissa abriu e pegou o enorme pacote de correspondência. Não se lembrava desde quando não olhava a caixa do correio. Devia haver contas a serem pagas. Olharia depois. Entregou a chave ao rapaz com um bilhete para Neuza. Já era noite.
Foi até a janela e olhou para o céu onde uma lua nova com um risco de crescente, estava rodeada de pequenas estrelas. Falou alto para o céu escuro:
- Minha querida Lua e minhas lindas estrelas. Vão até onde está meu amor e lhe digam que o amo muito, que não sei viver sem ele. Que gostaria muito que ele estivesse aqui comigo. Ele entenderá.
A dor no peito que já se espalhara pelo braço, agora estava mais forte que antes. Quase tão forte quanto no dia em que a faca entrou no peito de seu amor.
Boa noite Lua. Boa noite estrelas.
Entrou no quarto, deitou e dormiu.
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