sexta-feira, 10 de setembro de 2010

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Paris, je t'aime... - Luís Galego



Gostava de saber porque te amo nesta forma estranha
de te não ter amado nunca.

Virgílio Ferreira



Paris é uma cidade de um magnetismo poderoso, mesmo para quem sofra de constante abstinência de amor. Nunca se sabe o que pode suceder quando a alma anda por aí livre ao acaso.

Naquela tarde nostálgica de domingo Clara entra no Museu Picasso e sobressalta-se com os olhos dele, de uma beleza que quase lhe dói, uns olhos meigos mas que lhe fazem lembrar o mar. O Rafael tem menos vinte anos do que ela, o cabelo loiro platinado e a suave melancolia que atrai uma mulher. Tem aquele ar de River Phoenix talvez porque tenha estado três semestres em Oregon a tentar estudar literatura norte americana e o carácter sublime e incompreensível dos poetas. Quando dão por isso Clara já lhe está a tocar na face, ele a acariciar a mão dela, um súbito abraço e tudo o mais não importa. São estrangeiros numa cidade onde até os museus são perigosos, as emoções duram semanas num minuto, saltam as estações, os corações desmaiam na boca antes de se morderem e não querem ser incomodados por nada deste mundo. Quando são literalmente convidados a sair do museu atravessam a Rue de Thorigny e Rafael leva-a para o seu apartamento. Um prédio muito antigo, meio fantasmagórico, que mais parece a pinacoteca raramente frequentada onde Clara trabalha como documentalista, desde que se licenciara em Filosofia. Tinha chegado dos Estados Unidos há pouco tempo, desculpa-se Rafael. Ela não se importa. Acha um sonho, velas acesas, vinho branco e uma serigrafia de Maurice Boitel frente à cama onde ele a enfeitiça na mais doce das ilusões. O sexo é um animal estranho pelo que tem de o ir aquietando como pode, mansamente. E fazem o que é possível fazer, os dedos a arder na doçura dos corpos. Por fim ele adormece a falar-lhe na paixão de Yann Andréa por Marguerite Duras, aquele amor que ilumina o final da vida da escritora. De repente é noite e Clara é forçada a separar-se da beleza do corpo do seu anjo, da sua respiração que enche o quarto todo, deixa-o deitado, nu sobre o lençol e parte para ir ao encontro do marido que a aguarda no Hôtel Amour, num quarto cheio de fumo e uma última garrafa de gin à cabeceira, ansiando que ela o satisfaça, ela, Clara, que leva consigo um coração consumido pelo bater das próprias pancadas. Paris é um vicio, o desejo nunca é demais, algo acaba sempre por acontecer e certamente que a velha cidade das luzes guardará mais esta confissão que fará dela o que entender.

Luís Galego







Imagem enviada pelo autor: Le baiser, Musée National Picasso, Paris

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