domingo, 10 de outubro de 2010

4

FILOBÔNIO FILÓ - parte 14

1
- o novo shopping

Gente, gentes pra todo lado, lotando os corredores, as lojas,
os elevadores, as escadas rolantes. Entre os visitantes do novo
shopping, um Filó deslumbrado com a arquitetura funcional, com a
beleza do prédio, com a modernidade das formas. Puxa!, é o que
ele diz, a todo momento.
E tome gente, mais gente, mais gente chegando, lotando
tudo, porque, afinal, é uma festa, e inauguração é isso: descontos,
ofertas, promoções, lojas liquidando, facilitando, distribuindo
balões pras crianças, lojas e lojas e lojas. Filó, indiferente ao
apelo das ofertas e ainda encantado com o edifício, se fixa nos
detalhes: observa com prazer uma parede inacabada, acaricia com
ternura o metal de um cinzeiro esquecido, delicia-se com o fio de
luz que se insinua por trás de uma coluna falsamente antiga.
Puxa!, repete ele, mas que maravilha!
Horas mais tarde, quando todos já estão em casa e as lojas
dormem para um novo dia, Filó anota em seu caderno secreto as
belezas e as delícias de um shopping que ninguém mais chegou a
ver.

2
- os filósofos mudos

Debruçado no vazio, cheio de pensamentos graves, Filó
pergunta aos filósofos mudos da estante de livros:
- Donde vim, pronde vou?
Os filósofos mudos abrem a boca, cospem teias de aranha e
respondem:
- Cê veio do começo e vai pro fim.
- Ser ou não ser?
- Eis a questão – respondem bocejando os filósofos.
Filó coça a cabeça. Boceja também. E torna a perguntar:
- E o que é que tem do outro lado?
- Um admirável mundo novo.
- Mundo novo pra quem?
- Pros outros, ué!
- Só isso?
- Só, uai!
Filó, encarando os filósofos, provoca:
- Esperava mais de vocês.
- Esperava o quê?
- Respostas mais completas.
- Cê esperava filosofia, né isso? Que saco! Então tá: as
respostas estão soprando no vento. Satisfeito?
- Não. Eu quero alguma coisa mais brilhante, mais conclusiva,
porque vocês, afinal, vocês são filósofos!
- E cê acha que a gente sabe tudo? Somos filósofos mudos,
esqueceu?
- Mas vocês tão falando, pô!
- Távamos – os filósofos se calam, deixando Filó, outra vez,
cheio de pensamentos graves, debruçado no vazio.

3
- a fina arquitetura do sonho

Debruçado na sua prancheta de arquiteto amador, Filó sonha
com uma cidade melhor, uma cidade mais bonita onde caibam no
mesmo espaço o prazer e a poesia.
Dos seus mirabolantes projetos nasce uma metrópole ora
suspensa, ora subterrânea, uma metrópole que troca de estilo
como quem troca de roupa, que substitui o peso das retas pela
leveza quase angelical das curvas. Uma cidade, enfim, onde o
morar se torna o mais perfeito sinônimo para o viver.
Feito um louco de plantão, inspirado nos grandes arquitetos
do século, o amador Filó vai tirando da prancheta, como coelhos
de uma cartola, uma cidade nunca antes imaginada, sustentada
por colunas de sol e arcos de céu, de estrutura leve e delgada
como a das musas, uma cidade erguida não só de concreto, mas da
delicada matéria-prima da qual também são extraídos os sonhos.
- Mas isso não funciona, cacete! – dizem os pessimistas da vez.
– Quem é que vai morar num treco desses?
Filobônio Filó, arquiteto amador, responde com sorrisos e
silêncios. E da sua prancheta, cartola mais que fértil, continua
brotando a cidade-poesia, fina arquitetura do sonho.

4
- filósoficas XIII

- qualquer refeição do mundo é digna de respeito – menos
aquela preparada por mim, é claro


5
- a gororoba

Alguns dias do presente só apontam para o passado. Tentamos
empurrá-los em direção ao futuro mas eles travam, emperram, e
ao nosso menor vacilo lá estão eles de novo, voltando, recuando no
tempo ao invés de avançar, fazendo do passado o seu porto mais
seguro.
Filó, que também sofre desse tipo de coisa, não se deixa
abater. Quando os dias – que são muitos – resolvem nadar contra a
corrente do calendário, ele lança mão de uma técnica apurada
aprendida ainda na infância: reúne todos os jornais velhos
espalhados pela casa e os coloca dentro de um enorme caldeirão.
Em seguida, acrescenta água, óleo e um pouco de sal. E põe a
estranha gororoba pra ferver num antigo fogão à lenha.
Mexendo sem parar, Filó cozinha, literalmente, o passado,
transformando-o em um caldo grosso e indigesto, difícil de engolir.
Após 15 minutos de cozimento, algumas palavras se despregam dos
jornais e ficam boiando na superfície do caldo. Essas palavras Filó
reserva para, depois, delas extrair as letras que comporão uma
nova palavra.
Quando a fervura enfim se completa, Filó se livra do caldeirão
e dos jornais e em suas mãos restam apenas as letras da palavra
extraída do passado: FUTURO.

4 comentários

Tânia Souza

Filó tem uma artes e manhas que vai chegando assim de um jeito e quando vemos, já é indispensável. Muito bom.

Parreira

Brigadão pela leitura, Tânia! Filó e eu agradecemos!

Paola Rhoden

Filó prossegue em sua busca através de sua maneira diferente de ser. Sempre é bom ler.

Parreira

Agradeço, Paola, pela leitura!