quarta-feira, 13 de outubro de 2010

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Olhos de Selva Azul [10] - Lenine de Carvalho
























X. 



Havia dois dias que Arauá caminhava junto à margem direita do "Tawáti", quando suas narinas sensíveis captaram um odor leve e estranho. Imediatamente parou. Abaixou-se, encheu a mão direita com a areia fina e dourada do solo, e deixou-a escorrer lentamente da mão fechada, determinando assim a direção do vento. Isso feito, voltou o rosto contra a leve brisa que soprava e aspirou devagar e profundamente.

Já sabia de onde vinha o cheiro.

Colocou uma flecha de combate no arco, e com todo o cuidado, começou a aproximar-se da figueira grande, que roçava seus galhos mais baixos na água.

Antes de chegar embaixo da figueira, o olhar de Arauá foi atraído por um pequeno objeto, brilhante, que refletia um raio de sol. Abaixando-se, recolheu na palma da m+o uma cápsula calibre 38 já deflagrada. ___"O homem branco esteve aqui." pensou contrariado, há uns dois dias atrás. Examinou os restos da fogueira, que havia sido enterrada, as marcas de passos no chão, seguiu as pegadas até uma árvore um pouco distante, percebeu onde o homem branco havia roçado seu corpo e apoiado os pés para sentar-se na forquilha, e mais além onde haviam passado os porcos e onde um deles tombado.

Voltando para a figueira, examinou todo o local.

Descobriu as marcas da corda que havia sido amarrada nas raízes da árvore, segurando o barco.

"O que estaria fazendo um homem branco, sozinho num lugar tão distante de onde os branco costumavam andar?" perguntava-se Arauá.

Tendo seguido todos os passos que o homem branco havia dado naquele lugar, e visualizado todos os seus movimentos, Arauá sentou-se com as costas apoiadas no tronco da figueira, relaxou todo o corpo, expulsou todos os pensamentos de sua mente, entrou num ritmo lento e uniforme de respiração, e preparou-se para receber todas as influências e vibrações que o homem branco pudesse haver deixado naquele lugar.

Imóvel sob a árvore, de olhos fechados, integrando-se à paisagem, como se desde sempre, tivesse estado ali, naquela posição, imutável, Arauá começou a sentir as vibrações e influências que haviam permanecido naquele local. Começou por senti uma opressão forte no peito, depois a garganta apertando-se mais e mais, e em seguida, dois pequenos rios de lágrimas saltaram dos olhos de Arauá... Então, a manifestação de cores começou a explodir por trás dos olhos fechados de Arauá. A bondade inata e o espírito elevado daquele homem branco, apareciam em relâmpagos dourados, sua capacidade de compreensão, abnegação e desprendimento refulgiam em cores prateadas, mas, mesclando-se ao brilho belíssimo dessas cores, atravessando-as, e por vezes apagando-as completamente, comparecia a escuridão pegajosa da tristeza, do desespero, cortada por traços de um vermelho vivo, da ira e do ódio contra a fatalidade, contra as forças maléficas do imponderável negativo, o vermelho escuro da revolta impotente por haver perdido algo ou alguém muito querido. A sensação de solidão e tristeza ora muito dolorosa, por isso Arauá abriu os olhos lentamente, interrompendo deliberadamente, aquele processo de assimilação de influências e vibrações...

Arauá sabia agora, quem era o homem que havia acampado ali sozinho, por uma noite.

Embora nunca o tivesse visto, conhecia-o e sabia o que ele procurava. E, coisa que não acontecia há muitos e muitos anos, Arauá sentiu uma espécie de medo! Aquele homem branco, na verdade já havia morrido, e andava à procura de sua própria sepultura...

Como não havia maneira de se saber se ele havia subido ou descido o rio, Arauá desejou que ele tivesse descido o "Tawáti", pois não desejava encontrar-se com semelhante homem, por saber que não poderia ajudá-lo, nem queria interferir em seu destino, e também por saber que aquele homem, com todos os fantasmas que o acompanhavam, podia sem o querer, abalar profundamente a harmonia interna e externa das coisas.

Arauá seguiu seu caminho, pois muitos índios necessitavam de seus remédios, e o vale das onças negras estava bastante longe ainda. Estava um pouco apreensivo, pela existência daquele homem branco naquelas paragens, pois, pelo que se sabia, eles nunca antes haviam chegado até ali. E se um deles tinha vindo, fugindo sabia-se lá de que, ou procurando sabe-se também o quê, outros poderiam vir atrás daquele, ou para ajudá-lo ou para destruí-lo, pois os brancos eram imprevisíveis. Apenas uma coisa era certa em relação a eles, onde se instalavam, acabava-se a paz, a harmonia, a beleza e o equilíbrio das coisas. Arauá estava pois, apreensivo e contrafeito.



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