Primeiro ato.
Reluzente nos trazes finos, com orgulho ostentava imponência toda empertigada, ereta, sentada no banco traseiro do carro. Sua posição social dizia para não perder a pose, manter a ostentação sem se desleixar.
Amendoados os olhos olhavam pela pequena janela. Não prestava muita atenção. Conhecia por onde passavam. Fazia sempre esse percurso, quase todo dia. O semblante passivo não deixava os músculos se mexerem.
Não se preocupava James competente, dirigia com mão firme sem sair do itinerário. Confiante, lentamente James virou à esquerda, subindo devagar a avenida dois. No meio do quarteirão, diminui a marcha, acendeu o pisca-pisca e encostou o carro em frente à loja. James puxou o freio de mão, desligou o motor, desceu passando pela frente do veículo e abriu a porta para a patroa que esperava vendo os movimentos do chofer.
James abriu a porta e respeitoso segurando a maçaneta, ajudou a patroa a descer. Devagar, apreciando cada gesto, se excitava saboreando a sensação que causava. A fim de aumentar o impacto, parou no meio da calçada olhando para os lados, e num movimento provocante, erótico, com a mão livre, a outra segurava a bolsa, passou a mão no vestido justo tentando alisar o amassado por ter estado tanto tempo sentada.
Ao mudar o passo levando a mão procurando algo para se equilibrar, caiu. Tinha quebrado a perna direita, o palito se partira. Gina olhou em volta. Ah! Aqui está, achei, esse servira, disse trocando o palito quebrado pelo novo que fazia de perna para a boneca. Pronto, continuemos.
James sacudiu a cabeça demonstrando descontentamento. A patroa mancava! A perna direita estava um pouco maior, diferença pequena, porém sem perder a pose, mancando ela entrou na loja. Encostado no carro, James observava. Lamentava a patroa não merecia isso, que decepção, pensou. Em fim o que poderia fazer além de servir, nada mais.
Nisso a patroa saia da loja acompanhada por um funcionário sobrecarregado de pacotes. Prestativo James pegou os embrulhos e colocou no porta mala, depois abriu a porta dizendo:
- Sinto muito senhor.
- Obrigada James, vamos embora estou cansada.
- Desculpe senhor se me permite.
- O que?
- Desculpe senhora não vai ser possível não agora.
- Porque James?
- A senhora não ouve?
- Ouvir o que, James?
- Ouça estão chamando à senhora.
- O que?
Ergueu a cabeça, realmente, ouviu seu nome sendo chamado.
- Ah! Justo agora!
Colocou a boneca manquitola no chão.
- James, por favor, não saía daí, vou ver o que mamãe quer e já volto.
Segundo ato.
Na sala estavam três mulheres.
A mãe, a tia, cunhada da sua mãe, e a vó.
- Bença vó, bença tia.
Cumprimentou educadamente.
- Deus te abençoe, responderam as duas quase ao mesmo tempo.
- Ah! Gina venha aqui, disse a mãe. Por favor, vá até a casa da tia buscar carvão em brasa para a vó fazer defumação.
- Fale para sua prima escolher os que estiverem bem vermelhos, disse a tia.
- Cuidado para não se queimar, falou a vó.
- Olhe bem antes de atravessar a rua, recomendou a mãe.
Ao abrir a porta, Gina sentiu o sol. Tapando os olhos com a mão, olhou o céu claro. As nuvens brancas estavam bonitas, gostava de ficar deitado no quintal vendo as formas que as nuvens criavam.
Bem lá vou eu, pensou, em mais uma missão. Pena não ter trazido James para me fazer companhia.
Terceiro ato
Ao encostar a xícara nos lábios, começava a se preocupar.
- A Gina está demorando, disse a mãe.
- Não se preocupe logo ela estará de volta, falou a vó.
- Daqui a pouco ela chega, falou a cunhada.
Nisso ouviram a porta abrir e fechar.
- Ela chegou, disse a mãe se levantando.
Instantes depois estava a frente delas a menina, pálida, tremendo, chorando. Assustadas as três mulheres ajoelharam ao redor de Gina.
- O que foi, disse a mãe.
O que aconteceu, falou a vó.
- Você se machucou, perguntou a tia.
Gina não conseguia falar. Deram um copo d’ água com açúcar. A mãe colocou a menina no colo. Com muito custo conseguiu contar.
A prima pegara umas quatro brasas e enrolara no jornal dizendo:
- Olha, se o jornal começar a queimar, volte aqui que te darei mais jornal.
E quando ela atravessava o Jardim da Boa Morte, o jornal pegou fogo. Assustada jogou longe as brasas e o jornal incendiado, e viera correndo. As três mulheres olharam para Gina, uma para a outra, e caíram na gargalhada.
A menina coitada chorava. Assim Gina ganhou por muitos anos o apelido de Maria da Brasa, tudo por causa da prima.
Quarto ato.
Gina fechou o caderno.
Sorriu vendo sua imagem no espelho do quarto. Então o irmão com a mania besta de escritor, escrevera esse conto sobre o que lhe acontecera há.... Quanto tempo? Uns quarenta anos mais ou menos, ela nem se lembrava mais.
Mexendo nas tranqueiras descobrira o caderno. Na época dera uma bronca no irmão. Era o seu segredo sendo revelado. Ficou quase uns dois meses sem falar com ele. Também quem mandou escrever. Tudo porque, os filhos, os netos, as noras, até o marido tiraram um sarro da cara dela avivando o esquecido apelido.
Agora sentia que fora injusta com o irmão. Essa mania besta de escrever! Nisso ouviu vozes. Chamavam por ela. Pegou o caderno e desceu. Eram os netos. Nossa estavam grandes!
- Olá, vó? Onde estão os velhos, perguntou o mais moço.
- Foram na casa do seu pai, respondeu Gina.
- Vamos lá então pessoa.
Quando iam saindo a neta mais velha se voltou perguntando:
- Vó a senhora estava chorando?
- Não, respondeu rápida escondendo o caderno. Vá, vá com os outros, disse empurrando a neta porta fora.
Assim que o silêncio voltou a reinar, desceu até a garagem. Rasgou folha por folha, riscou um fósforo e queimou o caderno.
Estou queimando o passado, pensou. Não foi ele que disse: temos que enterrar o passado. Depois que o último pedaço tinha sido queimado, saiu fechando a porta.
pastorelli
Reluzente nos trazes finos, com orgulho ostentava imponência toda empertigada, ereta, sentada no banco traseiro do carro. Sua posição social dizia para não perder a pose, manter a ostentação sem se desleixar.
Amendoados os olhos olhavam pela pequena janela. Não prestava muita atenção. Conhecia por onde passavam. Fazia sempre esse percurso, quase todo dia. O semblante passivo não deixava os músculos se mexerem.
Não se preocupava James competente, dirigia com mão firme sem sair do itinerário. Confiante, lentamente James virou à esquerda, subindo devagar a avenida dois. No meio do quarteirão, diminui a marcha, acendeu o pisca-pisca e encostou o carro em frente à loja. James puxou o freio de mão, desligou o motor, desceu passando pela frente do veículo e abriu a porta para a patroa que esperava vendo os movimentos do chofer.
James abriu a porta e respeitoso segurando a maçaneta, ajudou a patroa a descer. Devagar, apreciando cada gesto, se excitava saboreando a sensação que causava. A fim de aumentar o impacto, parou no meio da calçada olhando para os lados, e num movimento provocante, erótico, com a mão livre, a outra segurava a bolsa, passou a mão no vestido justo tentando alisar o amassado por ter estado tanto tempo sentada.
Ao mudar o passo levando a mão procurando algo para se equilibrar, caiu. Tinha quebrado a perna direita, o palito se partira. Gina olhou em volta. Ah! Aqui está, achei, esse servira, disse trocando o palito quebrado pelo novo que fazia de perna para a boneca. Pronto, continuemos.
James sacudiu a cabeça demonstrando descontentamento. A patroa mancava! A perna direita estava um pouco maior, diferença pequena, porém sem perder a pose, mancando ela entrou na loja. Encostado no carro, James observava. Lamentava a patroa não merecia isso, que decepção, pensou. Em fim o que poderia fazer além de servir, nada mais.
Nisso a patroa saia da loja acompanhada por um funcionário sobrecarregado de pacotes. Prestativo James pegou os embrulhos e colocou no porta mala, depois abriu a porta dizendo:
- Sinto muito senhor.
- Obrigada James, vamos embora estou cansada.
- Desculpe senhor se me permite.
- O que?
- Desculpe senhora não vai ser possível não agora.
- Porque James?
- A senhora não ouve?
- Ouvir o que, James?
- Ouça estão chamando à senhora.
- O que?
Ergueu a cabeça, realmente, ouviu seu nome sendo chamado.
- Ah! Justo agora!
Colocou a boneca manquitola no chão.
- James, por favor, não saía daí, vou ver o que mamãe quer e já volto.
Segundo ato.
Na sala estavam três mulheres.
A mãe, a tia, cunhada da sua mãe, e a vó.
- Bença vó, bença tia.
Cumprimentou educadamente.
- Deus te abençoe, responderam as duas quase ao mesmo tempo.
- Ah! Gina venha aqui, disse a mãe. Por favor, vá até a casa da tia buscar carvão em brasa para a vó fazer defumação.
- Fale para sua prima escolher os que estiverem bem vermelhos, disse a tia.
- Cuidado para não se queimar, falou a vó.
- Olhe bem antes de atravessar a rua, recomendou a mãe.
Ao abrir a porta, Gina sentiu o sol. Tapando os olhos com a mão, olhou o céu claro. As nuvens brancas estavam bonitas, gostava de ficar deitado no quintal vendo as formas que as nuvens criavam.
Bem lá vou eu, pensou, em mais uma missão. Pena não ter trazido James para me fazer companhia.
Terceiro ato
Ao encostar a xícara nos lábios, começava a se preocupar.
- A Gina está demorando, disse a mãe.
- Não se preocupe logo ela estará de volta, falou a vó.
- Daqui a pouco ela chega, falou a cunhada.
Nisso ouviram a porta abrir e fechar.
- Ela chegou, disse a mãe se levantando.
Instantes depois estava a frente delas a menina, pálida, tremendo, chorando. Assustadas as três mulheres ajoelharam ao redor de Gina.
- O que foi, disse a mãe.
O que aconteceu, falou a vó.
- Você se machucou, perguntou a tia.
Gina não conseguia falar. Deram um copo d’ água com açúcar. A mãe colocou a menina no colo. Com muito custo conseguiu contar.
A prima pegara umas quatro brasas e enrolara no jornal dizendo:
- Olha, se o jornal começar a queimar, volte aqui que te darei mais jornal.
E quando ela atravessava o Jardim da Boa Morte, o jornal pegou fogo. Assustada jogou longe as brasas e o jornal incendiado, e viera correndo. As três mulheres olharam para Gina, uma para a outra, e caíram na gargalhada.
A menina coitada chorava. Assim Gina ganhou por muitos anos o apelido de Maria da Brasa, tudo por causa da prima.
Quarto ato.
Gina fechou o caderno.
Sorriu vendo sua imagem no espelho do quarto. Então o irmão com a mania besta de escritor, escrevera esse conto sobre o que lhe acontecera há.... Quanto tempo? Uns quarenta anos mais ou menos, ela nem se lembrava mais.
Mexendo nas tranqueiras descobrira o caderno. Na época dera uma bronca no irmão. Era o seu segredo sendo revelado. Ficou quase uns dois meses sem falar com ele. Também quem mandou escrever. Tudo porque, os filhos, os netos, as noras, até o marido tiraram um sarro da cara dela avivando o esquecido apelido.
Agora sentia que fora injusta com o irmão. Essa mania besta de escrever! Nisso ouviu vozes. Chamavam por ela. Pegou o caderno e desceu. Eram os netos. Nossa estavam grandes!
- Olá, vó? Onde estão os velhos, perguntou o mais moço.
- Foram na casa do seu pai, respondeu Gina.
- Vamos lá então pessoa.
Quando iam saindo a neta mais velha se voltou perguntando:
- Vó a senhora estava chorando?
- Não, respondeu rápida escondendo o caderno. Vá, vá com os outros, disse empurrando a neta porta fora.
Assim que o silêncio voltou a reinar, desceu até a garagem. Rasgou folha por folha, riscou um fósforo e queimou o caderno.
Estou queimando o passado, pensou. Não foi ele que disse: temos que enterrar o passado. Depois que o último pedaço tinha sido queimado, saiu fechando a porta.
pastorelli
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