A mãe do João tinha-se deitado, estava agora a rever uma conversa com o filho. Às vezes tinham conversas onde ela sentia conseguir ter "conversas de adulto" como não tinha com mais ninguém, conversando com o filho. Estava a crescer, iria entrar para a escola primária, já deixara o infantário.
Como começavam essas conversas em que lhe dava a sensação de irem os dois a voar num tapete das Mil e Uma Noites? Ela sempre gostara muito das imagens na fala, na percepção dos objectos, na recolha de fotos de objectos, coisas, pessoas, acontecimento, os factos mais diversos. Ela e o João tinham um álbum muito curioso e variado, onde ela incluía desenhos do filho, rabiscos seus, etc.
Se fosse ela a escrever esta história, esta folha iria direitinha para o álbum. Provavelmente não a acabaria, pois gostava de ser inter_rompida por tudo o que lhe chamava a atenção, aproveitando as mais pequenas coisas. Eram essas que lhe chamavam mais o coração e lhe preenchiam a vida. Não ia conseguir dormir sem voltar àquela sensação de perder o pé e começar a navegar, suspensa no ar... Seria isso a inspiração, esse levitar do espírito?
O filho perguntara se podia ter como animal de estimação uma toupeira, para evitar que ela fosse para o quintal do vizinho que a mataria sem piedade para proteger a horta, como lhe explicara quando abatera uma muito bonita dum cinza muito claro. Quase pedira para a enterrar, mas olhara para a mãe e ela abanara a cabeça como se tivesse adivinhado o que ele estava a pensar?
Está na idade de lhe dar um animal de estimação, acabou virando para o lado e adormeceu. Quando acordou, tirou os pés debaixo dos lençóis. Antes de poisar os pés no chão, já estava a pensar na conversa com o filho. Ainda se sentia leve "Devo ter continuado a voar enquanto dormia!", pensou e foi, pé ante pé, dar um beijo ao João.
Como é que eu sei tudo isto? Isso... vai ter de ficar para outra conversa.
27.09.10
Imagem: John Lund
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