terça-feira, 21 de dezembro de 2010

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COMO SERÁ O CÉU?



A manhã nasceu cinza, abafada e, sem o correr dos ventos fortes, a geografia das árvores permanecia a mesma. Inerte, insípida, quase imitando a insensibilidade dos prédios com suas almas de pedra. Com o meu coração ainda refém dos oceanos espumantes de muitas saudades sem fim, sentei num velho banco de madeira de uma praça e tentando não pensar em nada olhava a manhã preguiçosa caminhar para o seu final e já anunciando o calor que invadiria o meio da tarde de domingo.

De repente, como saída da bruma do tempo, dos esconderijos da vida, uma pobre mulher com uma criança ao colo senta ao meu lado e pede-me uma ajuda para comprar o seu almoço e da sua menina. Mirei no seu olhar de súplica e senti na alma e no coração o quanto deve ser angustiante para uma mãe garimpar migalhas que possam enganar um infantil estômago escravo da fome.

Maltrapilha, com a face machucada pelo tempo, pela dureza dos anos, de olhar fundo, triste, sem brilho, uma janela aberta que me permitia ver seu interior amontoado de angústias, uma incomum sinceridade, a dor do seu ventre vazio e das feridas que o destino riscou na sua alma.

Comovido, com aquele triste retrato da indigência das ruas, enquanto falávamos, olhei para sua filhinha, também golpeada pelo destino, exibindo, dolorosamente, uma pele sem viço, os cabelos ralos e com a fraqueza das suas tíbias revelando toda a realidade do seu desânimo físico, do seu infortúnio precoce.

Exposta a piedade pública, inculpada de tudo, era uma muda e inocente testemunha de mais uma dessas emboscadas da vida, da sorte adversa, que ainda tão cedo já a sabotava em sua madrugada de criança.

Surpreendido por tanta tristeza, tive a ousadia de perguntar-lhe se as lâminas do seu infortúnio tinham cortado suas esperanças, a vontade de sonhar com o amanhã e o que esperava da sua vida, que me parecia, naquele primeiro momento, infinitamente covarde, traiçoeira, madrasta.

A resposta veio serena - desta vida nada espero, moço. Vivo da esperança de morar no céu de Cristo. Este não é o mundo de Deus. E apontando para o alto, fala com extrema fé: lá está o paraíso, onde não há fome, dores, injustiças. Sábia filosofia da vida. Sábia lição de fé.

Despertado com a convicção daquela mulher, fiquei a pensar que só mesmo a busca nos mistérios divinos poderá enxugar nossas lágrimas, apagar nossa desesperança e acordar os sonhos que não mais conseguimos sonhar.

As angústias terrenas daquela alma em retalhos me fizeram olhar para cima e ficar imaginando como realmente será o céu, o paraíso celeste, a eterna festa da felicidade, o findar das saudades, "A Casa da Vida"?

Fiquei imaginando se no céu existirem incontáveis sóis, o quanto ficaremos extasiados com os mais fascinantes e felizes entardeceres. Como deverá ser deslumbrante o amanhecer com tanta profusão de luz se espalhando pelos campos sem fim, com suas abençoadas arvores multicoloridas sendo acariciadas pelas mãos das eternas primaveras.

E dando asas ao meu espírito, fiquei me perguntando se lá tiverem tantas luas quantas forem a vontade de Deus, quantos luares não se espreguiçarão pela serenidade de intermináveis mares? E quantas cachoeiras prateadas não se derramarão, sem pressa, trazendo pedaços de estrelas navegando suavemente num floco jaspeado de nuvens?

E quem sabe no meio das tardes não deve cair uma chuva de pingos dourados, rabiscando no ar caminhos encantados que nos levem até o jardineiro do tempo, que pinta as cores das orquídeas, o amarelo das acácias, a plumagem dos pássaros, as asas das borboletas e que desenha os arco-íris com o mesmo colorido das pétalas das rosas.

Pensando mais além, sonho, com os olhos estonteados de luz, se não encontraremos todos os amigos de Deus, "a comunidade dos bem-aventurados" e quem sabe não faremos um passeio divinal por estradas macias e alvas como as nuvens, sem precisar temer o tempo, o amanhã, o depois?

A voz daquela aparente sofrida mulher acordou-me, infelizmente, daquele êxtase, daquele divino devaneio. Dei-lhe o que pediu. Ela agradeceu e caminhou apressada na busca do alimento que pudesse lhe enganar o ventre, o coração ferido, deixando, no entanto, espalhados pelas calçadas pedaços de esperanças, de fé, de certezas no invisível.

Não sei quem ficou mais feliz. Se ela, pelo pingo de água que recebeu no seu mar de misérias terrenas ou, se eu, despertado pelo seu acreditar na vida após a vida, pude ficar a sonhar com alguns encantamentos dos mistérios e segredos do Reino de Deus. Um dia saberemos, se justos forem nossos corações, se leves forem nossas almas.

3 comentários

SÔNIA PILLON

Comovente! Me emocionou profundamente! Uma realidade bastante comum, porém retratada com sensibilidade... Parabéns!

Anônimo

Poesia e Prosa num só texto! Parabéns pelo lirismo num fato tão comum do cotidiano!

EXPEDITO GONÇALVES DIAS

Passando para curtir boa litura. Parabéns!