segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

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Des(encontro) - Maíra Ferreira




Como se já não houvesse um rumo possível, senta e larga os braços ao lado. Exausta, partida, aguardando em um aeroporto muito pequeno para ambições e esperas tão grandiosas. Que me faz assim tão ardida que não a própria ausência de um lugar de idas e vindas? Idas tuas. Vindas minhas. E no fim sobe o pássaro gigantesco te carregando para longe e me deixando a nuvem de ar misturado, empoeirado, restos de quem foi e não retorna. Não há nada no mundo que seja mais triste que um aeroporto. (Há sim, há o avião em si, esse no qual você não entrou e por isso não percebe, mas eu sim entrei e eu sei: dói.) O próprio ar que circula é amarelo, tem mofo, e também um qualquer coisa de fresco, delicado. Mistura de melancolias. É sonso o aeroporto, é sonso. (Sonsos somos nós, meu bem, o aeroporto só assiste) Depois as malas e correrias, me impressiona que estejam todos ávidos para ir a algum lugar. Todos com um destino em mãos, uma origem, aqueles planinhos empacotados junto às roupas, uma bolsa reservada só para a disposição ansiosa, idéias aguardando, idéias! A urgência circula pelas respirações e eu ali, sentada no meio da pressa, pensando com horror: mas, meu deus, sou eu a única sem destino? (Não é, eu sou também, nem sempre ir significa um plano, às vezes é mais um pavor de não se mexer e acabar estátua presa no espaço entre a ida e a vinda, entre os movimentos imponentes. Metade dos destinos se constrói sobre o medo de não encontrar um destino. Sem rumo somos todos, mas parar exige coragem.) De covardia ou certeza, não sei do que são feitos esses passos curtinhos e acumulados, apenas observo. Imaginando você a chegar em outro ponto e desfilar por outros chãos a mesma seqüência, carregando a mesma bagagem, lotado da mesma afobação. E o seu destino, qual é? Sua origem, qual foi? Em algum lado entrei eu, mas também já virei parte dos restos que o avião abandona na pista. A gente sabe: quando se chega ao aeroporto aguardado, aquele da onde saímos já não mais existe. (Não. Não sei dos outros, mas meu destino e origem saem do mesmo pote. É que é preciso também andar pelos diversos mundos para que se retorne ao ponto essencial.) Levanto, suja de chão, suja de abandono e despedida. Do outro lado do vidro sobem e sobem as criaturas gigantescas, cheias de espera condensada. Não tenho mala. E assim, de mãos sem nada, vou procurar rumo em outros cantos. (Você ali, pequena vista do alto, quieta e de mãos nuas, já não me procura, já encerra a nossa busca, pensando que eu sei do que você desconhece. Sem rumo, segue estática, à espreita. E eu, engolindo ausência, escolho um destino em cardápio. Ávido por encontrar a origem que me falta.)



Imagem:

"Série Aeroporto" Claudia Jaguaribe - fotografia em cores metalizada 2001



"Oca" Pavilhão Lucas Nogueira Garcez Portão 3 Parque do Ibirapuera São Paulo SP Brasil


"Mostra MAM60" Artista Homenageado: Frans Krajcberg


Museu de Arte Moderna de São Paulo

 
 
 

2 comentários

Matheus

Esse texto tá fazendo sucesso, hein? E, enfim, como eu já comentei, muito bom, muito bem escrito! E parabéns! *-*

Luisa Restelli

Sou sua fã.

Lindíssimo. Parabéns pelo super talento. :)