quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

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ONDE ESTÃO OS SEUS MÓVEIS?



Há noites que os maus ventos que carregam impiedosas saudades decidem zombar das pessoas e após amontoarem-se sobre tantas almas sensíveis, retornam preguiçosos para seus revoltos berços de lagrimas, pouco se importando se deixam destruídas as paredes dos nossos corações com as dores de um passado que o tempo inflexível, inexorável, não se preocupa em apagar das nossas vidas.

Numa dessas noites gigantescas que a insônia me tornou seu refém tentei esperar a aurora amiga, parceira, chegar devagar para apagar algumas paginas que o destino escreveu no livro da minha vida, sei lá porque, com a tinta rubra da adversidade. O cansaço me venceu no meio da noite e quando acordei a tão esperada claridade rosa da alvorada ficou escondida por uma dessas chuvas imensas que acinzentam toda a cidade, os sonhos, a vida.

Eu que esperei quase uma noite inteira por um pingo de sol, pelos vôos dos pássaros, pelo perfume das bondosas brisas matinais que geralmente vêm contando histórias felizes viajando nas asas do tempo, que enxugam lágrimas, minimizam sofrimentos, estava diante de uma desoladora paisagem de inverno, que não coloria o horizonte, não fazia voar as nuvens alvas, que me negava o direito de ver um fiapo do azul espaço celeste, um alvo de felicidade, uma janela aberta para a esperança.

Enquanto esperava passar aquela chuva imensa abro meus e-mails e recebo, enviada por um parceiro, um desses amigos do peito, um poeta da vida, quase um médico das almas sofridas, uma mensagem com o titulo “Onde estão os seus móveis”? Conta ela que no século passado um turista americano foi à cidade do Cairo, no Egito, com o objetivo de visitar um famoso sábio. O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília se resumiam numa cama, uma mesa e um banco.

Onde estão os seus móveis? Perguntou o turista. E o sábio, bem depressa, perguntou também. E onde estão os seus?
- Os meus? Surpreendeu-se o turista - Mas estou aqui só de passagem!
- Eu também, concluiu o sábio.
- A vida na Terra é somente uma passagem. No entanto, alguns vivem como se fossem ficar aqui eternamente e esquecem de ser felizes.
-
Diante de tanta sabedoria, me dei conta do meu egoísmo, da minha estupidez, em sofrer num começo de manhã por um traço de sol que não veio para secar minha fonte de lágrimas, sem perceber que os contratempos da vida, as horas de marés vazantes, os assaltos do destino, não podem impedir que os homens vejam a vida deslizar lá fora com todos os sabores derramados dos céus.

Abri um pouco a janela, deixei que os pingos tocassem o meu rosto, respirei fundo aquele ar de inverno e pude sentir o sabor dos frutos maduros que o tempo úmido trazia de longe. Na verdade eram gotas de felicidade que apagavam os infortúnios da vida, os golpes do inesperado, as cicatrizes que a lamina afiada do tempo riscam nos nossos espíritos.

Assim como é certo que as dores das saudades continuarão fazendo vitimas na passagem sem freios de sua caravana que carrega tantos olhos estonteados, tantos ouvidos agredidos, tantos corações apunhalados, são também absolutamente verdadeiros que muitos gestos amigos nos ajudarão a enfrentar os ventos contrários soprados do lado escuro da vida, fazendo com que um dia o mundo não precise ouvir nosso alarido e nem ver a cor da nossa desesperança.

1 Comentário

Casa de Mariah

não consigo comentar.
sem palavras (raríssimo eu ficar sem palavras)